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15 julho 2025

Mentiras e os documentos históricos

Sobre o uso de documentos históricos para tentar entender o passado:  


Historiadores têm problemas de confiança — e deveriam ter. Quando estudiosos avaliam textos, obras de arte, objetos materiais e histórias orais do passado, eles estão mergulhando em fontes profundamente pessoais e inerentemente humanas. E os humanos mentem o tempo todo. Como profissionais, entendemos que nenhuma fonte isolada é uma voz de autoridade. O processo de pesquisa exige contextualização, sobreposição de informações e uma compreensão sutil das dinâmicas interpessoais. Na minha sala de aula, isso é um problema.

Meus alunos frequentemente têm dificuldade em ver os personagens históricos como pessoas reais. Eles não têm dificuldade em entender que Abraham Lincoln foi uma pessoa real — que nasceu em 1809 e viveu uma vida concreta até sua morte prematura. O problema deles está em pensar em Lincoln como um adolescente preocupado em entrar para o time de luta livre. (...)

Assim como hoje, as pessoas no passado distorciam a verdade em documentos pessoais porque sabiam que esses documentos poderiam ser usados mais tarde para sustentar reivindicações em tribunais ou para verificar a posse de propriedades para fins de tributação. Mesmo em nossos diários e cartas mais pessoais, os humanos descontextualizam e exageram para salvar as aparências. O trabalho de um historiador é ver as pessoas como elas são — humanas

Isso é muito interessante. Há alguns exemplos no texto que mostra isso, levando o pesquisador a questionar as fontes. 

Parecido com achar que as demonstrações contábeis contam a vida de uma empresa. Humanos mentem e contadores são humanos.  

13 julho 2025

Ouro do Brasil e maldição dos recursos em Portugal


Eis o resumo, sobre a maldição dos recursos minerais em Portugal:  

 Ainda em 1750, Portugal apresentava um alto produto per capita pelos padrões da Europa Ocidental. No entanto, apenas um século depois, era o país mais pobre da região. Neste artigo, mostramos que a descoberta de enormes quantidades de ouro no Brasil ao longo do século XVIII desempenhou um papel crucial no desenvolvimento de longo prazo de Portugal. O país sofreu os efeitos de uma maldição dos recursos, tanto econômica quanto política. Uma análise contrafactual baseada em métodos de controle sintético sugere que, em 1800, o PIB per capita de Portugal era 40% menor do que teria sido na ausência da dotação de ouro brasileiro.

O gráfico abaixo mostra a evolução da exportação do ouro


 

21 junho 2025

Contabilidade e a idade medieval europeia

A escrituração contábil durante a Idade Média evoluiu em várias direções distintas. O desenvolvimento, no norte da Itália, das sociedades de risco e do comércio ultramarino levou ao surgimento do sistema de partidas dobradas que utilizamos hoje. É tentador fazer da história da contabilidade apenas a história da escrituração por partidas dobradas, ignorando rapidamente os mil anos entre a queda de Roma e a publicação da Summa de Arithmetica de Luca Pacioli, em 1494.

Por estarem fora da linha de eventos que levou diretamente às partidas dobradas, os detalhes das práticas medievais fora da Itália tendem a ser negligenciados ou tratados apenas como curiosidade histórica.

Em contraste com os procedimentos contábeis codificados do Império Romano, os registros medievais eram geralmente locais e centrados em uma série de instituições especializadas. Embora seja difícil isolar as influências romanas, em ambos os períodos os registros eram mantidos, principalmente, porque os empregadores precisavam monitorar seus subordinados que atuavam como seus agentes.

O paralelo mais próximo do método romano de escrituração está na contabilidade de recebimentos e pagamentos da Igreja Católica, que, por centenas de anos, cobrava e arrecadava impostos em toda a Europa. Já no século VI, diáconos eram designados para administrar as propriedades da Igreja e prestar contas de suas receitas. Agentes do tesouro papal estavam localizados nas províncias e tinham a responsabilidade de enviar os recebimentos para Roma.

O valor da contabilidade como ferramenta para a gestão sistemática de propriedades foi reconhecido desde cedo. No século IX, Carlos Magno elaborou o Capitulare de Villis, uma série de instruções detalhadas para seus administradores sobre a supervisão das terras reais e o envio de relatórios ao soberano. Embora os métodos de cálculo fossem primitivos e os períodos contábeis irregulares, Jack (1966) observou que “Carlos Magno enfatizava a necessidade de organização, de agrupar temas semelhantes sob um único título e de revisar de forma ordenada as prováveis fontes de receita”. Fazia-se um inventário anual das propriedades e dos bens móveis do rei. Receitas e despesas eram registradas em livros separados, e qualquer saldo era enviado ao monarca.

Na Inglaterra pré-normanda, a alfabetização era tão rara — até mesmo entre a nobreza — que um sistema escrito de contabilidade dificilmente justificaria seus custos. Até o século XI, os dados financeiros eram quase sempre comunicados e verificados oralmente, sendo os documentos escritos apenas complementares à palavra falada, que era considerada mais importante. Naquela época, a introdução do ábaco e outras melhorias nas técnicas aritméticas coincidiu com um renascimento do interesse pela linguagem escrita. Um sistema de registros escritos foi, então, gradualmente formalizando uma tradição contábil que até então era essencialmente oral.

Os métodos contábeis medievais ingleses merecem atenção por diversas razões. Os primeiros registros fiscais do governo e os livros de contas senhoriais estão entre os documentos mais antigos preservados na língua inglesa, e as abordagens adotadas para resolver problemas nessas áreas possuem paralelos evidentes na prática moderna. A contabilidade de agência da Idade Média lançou as bases para os atuais princípios de stewardship (responsabilidade fiduciária) e conservadorismo. Ela também ajudou a criar as condições para o rápido avanço das tecnologias contábeis ocorrido durante a Renascença.

Além disso, a ampla disseminação e durabilidade desses sistemas sugerem que a contabilidade por partidas dobradas não é a única forma eficiente de organizar dados financeiros — e que, em muitos casos, métodos mais simples podem produzir resultados igualmente úteis.

A sociedade feudal é frequentemente representada como uma pirâmide em múltiplos níveis, na qual os indivíduos de cada nível inferior recebiam certos direitos em troca do cumprimento de determinados deveres. Esse sistema exigia diversas delegações de autoridade e a transferência de direitos sobre terras dos proprietários nominais para os possuidores e usuários efetivos. O problema contábil característico desse contexto era o da comunicação e verificação vertical entre o principal e seu agente.

Nas finanças reais inglesas, isso levou ao sistema de proffer, utilizado para registrar e verificar a arrecadação de impostos, enquanto na contabilidade dos feudos deu origem ao demonstrativo de charge and discharge, preparado pelo administrador da propriedade (steward) em nome de seu senhor.

Até o final da Idade Média, o trabalho humano era o fator produtivo mais dinâmico, e os sistemas sociais feudais eram projetados para manter a mão de obra fixa na terra. Os manors — as propriedades da nobreza — eram as fazendas e oficinas da Grã-Bretanha medieval. A contabilidade senhorial na Inglaterra descrevia os recebimentos e pagamentos de uma entidade econômica autossuficiente, e os resultados de suas transações com terceiros eram classificados como “externos” nas contas.

Outra característica da vida senhorial era a administração por procuração. O senhor feudal, como um duque ou conde, frequentemente dependia, para seu sustento, da produtividade de grandes extensões de terra e dos esforços de centenas de pessoas que ele não podia supervisionar pessoalmente. A gestão do dia a dia ficava, normalmente, a cargo de uma hierarquia de funcionários e chefes de departamento. O incentivo do senhor para manter registros contábeis surgia de sua necessidade de fiscalizar a integridade e a confiabilidade de seus administradores, evitar perdas e furtos, e, de modo geral, estimular a eficiência. Do ponto de vista do steward, os registros contábeis serviam como prova de que ele havia cumprido suas obrigações de forma honesta e adequada.

A autossuficiência dos feudos e a relação de agência são fundamentais para compreender as diferenças entre os registros patrimoniais da época e os registros contábeis atuais. A independência econômica e a ausência de necessidade de prestar contas a terceiros significavam que pouco do que hoje chamamos de contabilidade financeira era necessário. As vendas a crédito eram raras. Os ativos eram inventariados, mas balanços patrimoniais dificilmente eram elaborados. As ferramentas do senhor podiam ser contabilizadas juntamente com os bens pessoais de seus arrendatários, e os valores monetários, às vezes, eram combinados com quantidades físicas de bens nas demonstrações de ativos do feudo. Não havia uma distinção clara entre despesas de capital e despesas operacionais — o custo de um cavalo era registrado da mesma forma que o custo do feno que ele consumia.

As despesas podiam ser alocadas em detalhes entre várias atividades, de modo a demonstrar os resultados de cada uma, mas o lucro ou prejuízo geral normalmente tinha pouca relevância. Por vezes, a narrativa das contas era interrompida para incluir estimativas sobre o que poderia ter sido obtido caso uma decisão diferente tivesse sido tomada.

Os administradores senhoriais mantinham registros não em benefício da entidade econômica, como se faz hoje, mas sim para sua própria proteção. Em grandes propriedades, um surveyor (fiscal de terras) organizava um livro contendo os aluguéis de terras e taxas devidas, que era utilizado pelo receiver-general, responsável pela arrecadação efetiva dessas receitas e pelo seu registro por fontes. Outros funcionários pagavam e controlavam salários e despesas. Auditores examinavam periodicamente e resumiam todas essas contas, que eram essencialmente registros dos indivíduos envolvidos, e não do feudo em si. Como seu objetivo era apenas demonstrar que as obrigações haviam sido devidamente cumpridas, havia uma tendência natural para que cada administrador registrasse apenas os itens pelos quais era responsável, apresentando cada tipo de receita em contraposição aos respectivos pagamentos.

Poderia haver ainda mais diversidade na escrituração medieval do que, de fato, existiu. As razões modernas para a consistência e a comparabilidade contábil praticamente não existiam. No entanto, parece que o ambiente feudal, como qualquer outro, favorecia certas técnicas. Governos municipais, propriedades monásticas e laicas, residências e guildas de ofício — ou worshipful companies — compartilhavam uma tradição de escrituração no modelo de charge and discharge e auditorias de prestação de contas. Todos os tipos de registros eram sincronizados com os ciclos agrícolas, sendo o dia de Michaelmas (29 de setembro) a data que marcava a colheita e o encerramento do ano contábil natural.

A escrituração de entrada simples no Japão feudal seguia um padrão semelhante de registros descentralizados, uso do ábaco para numeração visual, ênfase no controle e responsabilização pessoal dos agentes encarregados da contabilidade.

A autossuficiência do feudo impôs limites ao seu desenvolvimento como instituição. A Inglaterra, que havia sido isolada geograficamente do comércio com o Oriente Próximo durante a Renascença, encontrou-se em uma posição mais favorável após a descoberta da América. No século XVII, as cidades começaram a substituir os feudos como centros da vida econômica, e os fabricantes independentes passaram a competir com os artesãos rigidamente regulamentados pelas guildas. A expansão do comércio ultramarino criou novos mercados e fontes de suprimento. O foco passou da administração dos ativos senhoriais para a proteção dos investidores corporativos e para questões relativas à apuração de resultados e ao pagamento de dividendos.

A contabilidade de agência permaneceu, mas começou a assumir a forma sofisticada que já havia se desenvolvido, séculos antes, no norte da Itália, onde a acumulação de capital e as longas distâncias comerciais favoreciam operações por filiais, arranjos de crédito e transações por consignação.

Não se pode culpar os contadores senhoriais por não produzirem dados de que não precisavam. O executivo típico da Idade Média praticamente não escrevia e lia muito pouco. As contas do Exchequer (Tesouro Real) e dos feudos eram mantidas, normalmente, sob o pressuposto de que nem o rei nem o barão jamais as leriam. Assim, a contabilidade tendia a se encerrar no ponto em que o chefe de cada departamento dispunha de informação suficiente para seu próprio uso.

Homens desse contexto dificilmente desenvolveriam um método contábil que colocasse ativos e patrimônios líquidos em oposição, porque não possuíam um conceito real de capital. O feudo era o seu capital. A terra raramente era comprada ou vendida; eles só podiam atribuir-lhe valor com base em algum múltiplo da produção líquida anual. Com a produção tão interligada ao consumo, havia pouco incentivo para determinar a renda total. Tampouco havia necessidade de uma contabilidade de custos sistemática, pois a maioria dos feudos seguia um padrão repetitivo e pouco variável de receitas e despesas.

No entanto, nas áreas de controle interno e auditoria, a prática senhorial estava muito à frente do “Método de Veneza” de Pacioli. Demonstrava como registros feitos principalmente para apurar um balanço anual podiam ser adaptados para ajudar na gestão diária dos negócios. A doutrina do conservadorismo era uma forma de autoproteção para o administrador do feudo (steward) diante da auditoria; essa mesma tendência à subavaliação é central na contabilidade corporativa moderna. Inventariantes e administradores de bens continuam utilizando o demonstrativo de charge and discharge para prestar contas da gestão de ativos sob sua responsabilidade fiduciária.

Até mesmo o sistema moderno de pesos e medidas — com todas as suas imperfeições — tem origem naquela época, quando uma jarda correspondia à distância do nariz do rei até a ponta de seu braço estendido. Se muitas coisas mudaram, há ainda semelhanças suficientes que fazem com que nossa herança contábil da Idade Média seja rica em formas, técnicas e ideias.


 

Michael Chatfield - The History of Accounting

Preferi não usar o termo "grandes civilizações" aqui, pois o verbete trata de várias situações, especialmente Inglaterra e, em menor quantidade, o Japão. Mas é interessante a posição do autor, que destaca a importância da contabilidade medieval e o fato de cumprir seu papel.  Imagem: aqui

06 abril 2025

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Sprague


Charles Ezra Sprague (1842-1912) teve grande influência no desenvolvimento inicial da profissão contábil nos Estados Unidos. Era um homem de cultura e chegou a ser fluente em 16 idiomas. Formou-se em 1860, e serviu no Exército da União durante a Guerra Civil. Em 1870, começou a trabalhar como escriturário no Union Dime Savings Bank, em Nova York. Subiu rapidamente na hierarquia do banco e em 1892, foi eleito presidente do Union Dime Savings Bank, cargo que ocupou até sua morte. Durante sua gestão, introduziu diversas inovações bancárias, como cadernetas e talões de cheque pequenos, livros contábeis em fichas removíveis e uma máquina de lançamento de lançamentos contábeis.

Sprague viajava com frequência à Europa e nessas viagens conheceu práticas contábeis de outros países, como Inglaterra e Alemanha. No primeiro, aprendeu a importância de haver procedimentos formais para o reconhecimento de profissionais da contabilidade. Introduziu o sistema de um conselho de examinadores para contadores públicos e tornou-se um dos primeiros contadores públicos certificados no estado de Nova York. Na Alemanha, conheceu as abordagens contábeis do país, que influenciaram seus escritos posteriores.

Escreveu diversas obras, incluindo: The Accountancy of Investment (1904), Extended Bond Tables (1905), Problems and Studies in the Accountancy of Investment (1906), Tables of Compound Interest (1907), Amortization (1908), The Philosophy of Accounts (1908) e Logarithms to 12 Places (1910). Antes disso, envolveu-se com a publicação The Bookkeeper, para a qual escreveu e atuou como editor associado de 1880 a 1883.

Seu livro mais importante, The Philosophy of Accounts, teve enorme impacto sobre a prática contábil, passando por cinco edições em menos de 15 anos. Antes dessa obra, a maioria dos livros de contabilidade eram manuais práticos, com exemplos e exercícios. Sprague tentou explicar o "porquê", e não apenas o "como", da contabilidade, um afastamento da abordagem tradicional americana ou inglesa, aproximando-se do estilo alemão.

No livro citado (The Philosophy of Accounts) ele propôs uma nova classificação de contas. Antes, as contas eram divididas em pessoais e impessoais. Sprague propôs uma divisão mais simples: um grupo com ativos e passivos, e outro com capital e contas de lucros e perdas. Um conceito introduzido por ele em The Bookkeeper - ativos igualam passivos mais patrimônio (A = P + PL) - foi usado para representar a teoria das contas de forma algébrica. 

Adaptado do verbete escrito por Rodney Rogers, The History of Accounting. Foto: aqui

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Moonitz

Maurice Moonitz (1914-2009) começou os estudos como músico. Mas a crise de 1929 e a mudança para Califórnia levou a trabalhar como contador de banco. Conseguiu o bacharelado (1933), o mestrado (1936) e o doutorado (1941) pela Universidade da Califórnia em Berkeley, onde tornou-se professor associado efetivo (1947) e trabalhou até a aposentadoria (1978).

Além de pesquisador, tinha uma experiência prática resultante do trabalho, por oito anos, como contador e auditor. Atuou por três anos no Accounting Principles Board, responsável pelas normas contábeis dos EUA na década de 1960.

Sua obra mais reconhecida, The Entity Theory of Consolidated Statements (1944), apresentou uma abordagem conceitual para as demonstrações consolidadas, defendendo o tratamento de grupos de empresas interligadas como uma única entidade econômica e contábil. Essa perspectiva exige que todos os ativos e passivos, inclusive o ágio, reflitam 100% de seus valores de transação, e não apenas o percentual correspondente ao controle majoritário.


Outra contribuição importante foi o livro-texto em dois volumes Accounting: An Analysis of Its Problems, com Charles Staehling, que incluía um exemplo completo em que todos os elementos das demonstrações financeiras, inclusive o lucro líquido, eram mensurados a valor presente.

Em 1960, Moonitz foi nomeado o primeiro diretor de pesquisa contábil do AICPA. Suas publicações The Basic Postulates of Accounting (1961) e, com Robert T. Sprouse, A Tentative Set of Broad Accounting Principles for Business Enterprises (1962), foram os números 1 e 3 da série de Estudos de Pesquisa Contábil do AICPA. O primeiro estudo atendeu à demanda por uma investigação sobre os postulados fundamentais da contabilidade. No entanto, como a abordagem normativa levava à contabilidade a valor corrente, foi rejeitada pelo establishment contábil. Em 1962, o Accounting Principles Board declarou que os estudos, embora valiosos, diferiam demais dos princípios geralmente aceitos para serem adotados naquele momento. 

Moonitz também contribuiu para a contabilidade inflacionária, refinando e esclarecendo a abordagem de nível geral de preços, hoje amplamente aceita pelos estudiosos. Produziu ainda análises sobre o processo de definição de normas contábeis nos Estados Unidos. Todas as suas obras se destacaram pelo alto nível de rigor acadêmico e influenciaram profundamente o campo da contabilidade por meio de outros estudiosos.

Baseado no verbete escrito por George Staubus para The History of Accounting. 

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Devine


Carl Devine (1911-1998) é, na opinião de Arrington, o intelectual mais formidável da história do pensamento contábil. Sua principal obra, escrita ao longo de quatro décadas, Essays in Accounting Theory, aborda ideias que vão da matemática à poesia, dentro do contexto da contabilidade. Essa obra rendeu, em 1985, o prêmio de Contribuição Excepcional à Literatura Contábil, concedido pelo American Institute of Certified Public Accountants e pela American Accounting Association. A última edição do livro apareceu um ano após seu falecimento. 

Formado em matemática e ciências físicas, com MBA (1938) e doutorado em administração de empresas pela Universidade de Michigan (1940) teve como mentores William Andrew Paton e A.P. Ushenko, lógico da filosofia. Passou por diversas universidades como professor ao longo da sua vida profissional. 

Seu pensamento tem por característica uma fidelidade ao pragmatismo, sem nunca adotar posturas rígidas ou inequívocas. Esse tipo de flexibilidade intelectual pragmática nunca foi popular no pensamento contábil.  

Para Devine, a preferência por alternativas contábeis depende do contexto e da história, algo que ele ilustra em várias questões específicas da contabilidade prática, como avaliação de estoques, depreciação e mensuração do resultado. Nesse sentido, Devine adota uma atitude sobre a fragilidade de fundamentar a validade do conhecimento em um único paradigma ou metodologia. Ele valorizou um positivismo modestamente credível, mantendo com vigor o interesse dos pragmatistas por uma ciência da experiência. 

Devine confere tanta importância às questões morais quanto às epistemológicas. O conhecimento sobre o humano deve ser guiado por uma obsessão com as consequências do saber para a busca humana por uma vida boa e justa. Uma ciência indiferente - ou mesmo antagonista - a questões de valores, ética e virtudes, por mais que se interpretem esses termos, é uma ciência muito parcial, senão falsa. 

Do verbete de C. Edward Arrington, The History of Accounting. Imagem do livro Essays, nona edição, 

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Demski

Joel S. Demski (1940) é reconhecido por ser um dos principais expoentes da perspectiva da "economia da informação". Ele foi pioneiro na aplicação de técnicas dedutivas formais à teoria contábil, utilizando modelos matemáticos rigorosos, definições precisas e provas formais para investigar uma ampla gama de temas. Entre os tópicos que estudou estão o processamento de informações em mercados financeiros, o valor da informação em contextos competitivos, estruturas hierárquicas de incentivos, teoria da mensuração de custos, o conceito de income e o processo de elaboração de normas contábeis. Seu livro Information Analysis (1980) oferece uma introdução acessível à sua abordagem.


Demski via os sistemas contábeis como construções sociais e adotava uma postura de cientista social, interessado em explicar, e não necessariamente defender, as escolhas entre diferentes métodos contábeis. Para ele, essas escolhas refletem decisões sobre estruturas de informação que, por sua vez, só são valiosas se resultarem em melhores decisões. Assim, ele via a contabilidade como parte integrante de contextos decisórios mais amplos e utilizava a teoria da utilidade esperada para analisar escolhas contábeis e para estudar as decisões que essas escolhas visam melhorar.

Uma da suas principais ideias foi sobre a definição de critérios para boas práticas contábeis. Demski argumentava que listas de atributos como relevância, tempestividade e objetividade não conseguiam capturar, de fato, as preferências dos usuários da informação. Ele introduziu o conceito de fineness (finesse), uma medida da quantidade de informação contida em um sistema contábil. Mas mesmo esse critério é incompleto, pois diferentes sistemas podem transmitir informações distintas, impossibilitando a ordenação simples entre eles. Assim, não é possível definir a qualidade de um sistema contábil sem considerar os problemas de decisão específicos enfrentados pelos usuários da informação.

Em seus modelos, diferentes tomadores de decisão interagem com informações limitadas e objetivos divergentes, o que gera problemas de incentivos. A contabilidade, nesse contexto, pode ajudar a mitigar esses problemas ao fornecer informações estruturadas que alinhem melhor os interesses das partes envolvidas.

(Adaptado do verbete de Rick Antle para The History of Accounting). Veja também o verbete da Wikipedia, foto aqui

05 abril 2025

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Canning

John Bennett Canning (1884–1962) foi professor de economia e chefe da Divisão de Contabilidade da Universidade de Stanford. É autor do livro The Economics of Accountancy (1929), uma obra pioneira que procurou reinterpretar os conceitos contábeis a partir da teoria econômica. Seu objetivo era tornar a contabilidade mais compreensível para os economistas, mas acabou contribuindo de forma decisiva para o avanço conceitual da própria contabilidade.

Canning analisou com rigor os conceitos de ativos, passivos, capital e income, criticando a ausência de definições claras nos textos contábeis da época. Argumentou que a prática contábil era excessivamente legalista e carecia de uma teoria do valor. Propôs, então, que a avaliação de ativos fosse baseada nos fluxos de caixa futuros esperados, e que os aumentos de valor fossem reconhecidos como renda, desde que estimativas confiáveis pudessem ser feitas.

Para ele, o income era realizada quando três condições fossem cumpridas: alta probabilidade de recebimento em até um ano, valor conhecido ou estimável, e custos associados conhecidos ou estimáveis. Suas ideias de mensuração econômica e reconhecimento contábil estavam muito à frente de seu tempo e ainda são consideradas modernas e influentes.

Os conceitos modernos que usamos em documentos da Estrutura Conceitual tem sua origem na obra de Canning. 

(Fonte: verbete de Michael Chatfield, The history of accounting) (Não consegui obter uma fotografia do Canning na internet) 

Grandes nomes da contabilidade dos EUA: William Beaver


William Beaver (1940-2024) é um dos principais nomes da pesquisa contábil ligada aos mercados de capitais, tendo contribuído de forma contínua e significativa desde os anos 1960. Formado pela Universidade de Notre Dame e doutor pela Universidade de Chicago, esteve inserido em um ambiente acadêmico de destaque ao lado de nomes como Fama, Jensen e Scholes. Seu trabalho inicial, que investigou a capacidade de índices financeiros preverem falências, deu origem a uma ampla literatura sobre distress financeiro. Posteriormente, suas pesquisas sobre o impacto dos anúncios de resultados no comportamento das ações consolidaram a escola de pensamento que conecta contabilidade e mercados de capitais.

Beaver utilizou a teoria da eficiência de mercado como base para muitos de seus estudos e sempre procurou aplicar suas conclusões à prática contábil. Defendeu que a simples existência da divulgação de informações é mais relevante para o mercado do que sua forma ou posição nos demonstrativos contábeis. Participou de comitês da SEC e do FASB, influenciando debates importantes, como o sobre contabilidade para variações de preços nos anos 1980.

Foi também um dos principais articuladores da reforma na formação doutoral em contabilidade, introduzindo métodos analíticos e empíricos rigorosos e maior integração com áreas como economia e finanças. Lecionou durante anos na Universidade de Stanford. Recebeu diversos prêmios da AAA e do AICPA, além de ter presidido a American Accounting Association em 1988.

Faleceu em 2024. 

Beaver revolucionou a maneira como percebemos a pesquisa na contabilidade. 

(Fonte: verbete escrito por George Foster para The History of Accounting) (Foto: aqui)

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Arthur Andersen


Arthur E. Andersen (1885-1947) foi um dos nomes mais influentes da história da contabilidade nos Estados Unidos. De origem humilde, começou como assistente por 25 dólares semanais e se formou à noite na Universidade Northwestern, onde posteriormente tornou-se professor. Diante da falta de material didático, escreveu seu próprio livro, *Complete Accounting Course*, que serviu como base para o ensino contábil em várias instituições.

Em 1913, abandonou a academia para fundar sua própria firma de contabilidade no Meio-Oeste americano. Com uma postura visionária e inconformada, Andersen desafiou as práticas tradicionais da época. Insistia em contratar graduados universitários em tempo integral — o que era visto como radical — e buscava formar profissionais que soubessem pensar além dos números. Introduziu o conceito de especialização por setor e desenvolveu o primeiro programa de treinamento unificado da profissão, reunindo funcionários de diferentes localidades para formação em Chicago.

Para Andersen, a contabilidade deveria priorizar o bom senso e a realidade econômica dos negócios, em vez de apenas seguir normas e tradições. Ele acreditava que uma boa contabilidade ajudava não só no cumprimento da legislação, mas também na gestão eficiente das empresas.

Embora inicialmente combatido pelo establishment contábil, suas ideias tornaram-se, após sua morte em 1947, a base dos princípios de auditoria e das normas contábeis modernas. Sua firma, que começou pequena, cresceu e se tornou uma potência global, com centenas de escritórios em dezenas de países. A empresa quebrou em razão do escândalo da Enron, no final do século XX. 

(Baseado no verbete de John Ruane, The History of Accounting). Foto: wikipedia

13 março 2025

Boa vontade dos clientes

Pedro Demo, das obras de metodologia, escreve com muita regularidade sobre muitas coisas. Em recente artigo, ele conta um pouco da história de Datini, um marco na contabilidade mundial: 


Exemplo disso foi Francesco di Marco Datini, que virou comerciante bem-sucedido, com a história de suas aventuras fora da Itália (era de Prato), na Ilha Canária. O rei lá o convidou para jantar. Havia na mesa guardanapos e neles um taco do tamanho do braço, cuja finalidade era enigmática. Sentando-se à mesa, quando a comida foi posta, o odor atraiu ratos de todos os cantos; o taco era para os espantar. No dia seguinte, o comerciante trouxe do navio uma gata e, logo, ela matou 25 ratos e os outros fugiram. O rei ficou impressionado, enquanto Datini o presenteava com a gata. Ao deixar a ilha foi coberto de presentes, sobretudo joias, valendo 4 mil escudos. Voltou no ano seguinte, levando um gato doméstico – que lhe rendeu 6 mil escudos. Ficou rico (AR:L2870). Comentam AR que a história pode ser forjada, pois não há registro da viagem às Canárias. Datini nasceu de taberneiro pobre, em 1335. Com 13 anos, a Peste Negra varreu a Itália, e sua mãe, seu pai e seus dois irmãos morreram. Só ele e seu irmão Stefano sobreviveram, com pequena herança: uma casa, um pedaço de terra e 47 florins.

Um ano depois da morte do pai, Datini mudou-se para Florença, virou aprendiz de lojista e ouvia histórias de cidades prósperas de Avignon, no sul da França. Lá estava residindo o Papa (por disputa sucessória), e a presença papal agitava o mercado local, do qual comerciantes italianos se aproveitavam. Grande parte do comércio de luxo e serviços bancários eram de famílias italianas, vivendo em bairro exclusivo na cidade. Com 15 anos, Datini vendeu seu terreno em Prato e se mudou para lá. Em 1361, com 26 anos, era sócio de dois toscanos, Toro di Berto e Niccolò di Bernardo. Negociava armamentos para os dois lados do conflito. Em 1368, sua contabilidade registrava a venda de armas em 64 libras para Bernard du Guesclin, comandante militar francês. No mesmo ano, houve venda enorme de armas para a comuna de Fontes, para se proteger contra Guesclin. Em 1363, Datini teve a primeira loja, comprada por 941 florins, com outros 300 pagos pela "boa vontade dos clientes". Em 1367, renovou a parceira com Toro di Berto, investindo cada um 2,5 mil florins de ouro, com três lojas. Em 1376, comercializava sal e lançou operador de câmbio, incluindo comércio de prataria e obras de arte. Abiu taverna de vinho e um armarinho, e enviou funcionários para negociar em lugares mais distantes, como Nápoles. Sua principal loja em Avignon tinha cintos de prata florentina e anéis de casamento de ouro, peças de couro, selas e arreios de mula da Catalunha, utensílios domésticos de toda a Itália, lençóis de Gênova, fustão de Cremona, e zendado escarlate, tecido especial de Lucca. A loja em Florença surgiu como eixo movimentado de produtos manufaturados à época e tinha tecido de lã branco, azul ou cru; linhas de costura, cortinas de seda e anéis de cortina; toalhas de mesa, guardanapos e grandes toalhas de banho; baús pintados à mão e porta-joias usados como dote da noiva.

Voltando de Avignon em 1382, montou negócio em Prato e Florença com filiais em Pisa, Gênova, Barcelona, Valência e Ibiza. Com diferentes empórios moviam-se ferro, chumbo, alumínio, cativos e temperos da Romênia e do Mar Negro; lã inglesa de Southampton e Londres; trigo da Sardenha e da Sicília; couro de Túnis e Córdoba; seda de Veneza; uva passa e figos de Málaga; amêndoas e tâmaras de Valência; maçãs e sardinhas de Marselha; óleo de oliva de Gaeta; sal de Ibiza; lã espanhola de Maiorca; da Catalunha, laranjas, óleo de oliva e vinha. Documentos de negócio têm cartas em latim, francês, italiano, inglês, flamengo, catalão, provençal, grego, árabe e hebraico. De comerciante, passou a produzir tecidos em Florença, comprando lã inglesa e espanhola e exportando o tecido pronto. Para AR, Datini fez fortuna sem "nenhum conhecimento, conexões ou capital, e sem a vantagem de contatos, monopólios ou ajuda do governo, exceto pelo contexto institucional amplo criado pelas comunas italianas" (AR:L2909). Revelou mobilidade ascendente vertiginosa, algo temido pela elite tradicional ameaçada. Bispo Otto, tio de Barbarosa, criticava nos genoveses: "não desdenhavam de oferecer o cinto de cavaleiro ou títulos de distinção a jovens homens de status inferior e mesmo a trabalhadores de baixos ofícios manuais, que, em outros lugares, seriam barrados como a praga caso quisessem assumir atividades mais respeitáveis" (Ib.). Reclamava da erosão da hierarquia e normas, embora a corrosão desse sistema fosse fundamental para o desenvolvimento econômico, enquanto permitia que gente simples, mas com talento, chegassem ao topo. 

O negrito é meu. Vocês sabem qual o termo que usamos hoje no lugar do negrito?

16 fevereiro 2025

O nascimento das partidas dobradas na contabilidade pública portuguesa

 Eis o resumo (doi: 10.37885/241218527)

Apresenta-se o primeiro tesoureiro-geral do Erário Régio (1761), José Francisco da Cruz (1717-1768). Homem de negócios da praça de Lisboa, membro da notável família dos Cruzes, accionista das três companhias de comércio pombalinas de maior dimensão e Provedor (Presidente) da Junta do Comércio aquando da sua nomeação para o Erário Régio, entre o mais, este tecnocrata da contabilidade forneceu um contributo determinante para a transferência e difusão das partidas dobradas no século XVIII em Portugal. O artigo pretende ser um subsídio para que se percebam quais os agentes sociais e políticos envolvidos na emergência e desenvolvimento da contabilidade por partidas dobradas em Portugal. A principal contribuição do estudo respeita à sistematização dos traços biográficos e linhas de percurso profissional de José Francisco da Cruz, como tentativa de trazer, para as agendas de investigação em História da Contabilidade portuguesa, o estudo
de individualidades instrumentais para o processo inicial de reconhecimento e dignificação social da contabilidade. Este apontamento justifica-se pela importância atribuída a José Francisco da Cruz no desenvolvimento da aplicação das partidas dobradas no contexto português: por uma parte, pelo seu desempenho em cargos de administração no Erário Régio e nas duas companhias comerciais monopolistas respeitantes ao Brasil (Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba), organizações nas quais obrigatoriamente se utilizava a tenência de livros de contabilidade escriturados por partidas dobradas; e, por outra, pelo seu contributo político para a fundação da Aula do Comércio (1759), como Provedor em exercício da entidade que lhe
serviu de patrona, a Junta do Comércio. 

O texto é de Miguel Gonçalves, que tem atuado na pesquisa histórica da contabilidade portuguesa. Ele apoia a ideia de que o Erário Régio foi a primeira organização pública que usou as partidas dobradas em Portugal. No quadro acima, Marquês de Pombal, que também tem um papel relevante no processo.

28 janeiro 2025

Auditoria no início do Século XX no Brasil


Do livro de Richard Brown, A History of Accounting and Accountants, de 1905:

Não existe uma associação organizada de contadores profissionais com reconhecimento oficial no Brasil. 

O sistema adotado para a auditoria das contas de corporações e empresas públicas e privadas consiste em atribuir esse trabalho a determinados acionistas, que formam o Conselho Fiscal [em português] ou Comitê de Auditoria.

Na liquidação de massas falidas, o juiz nomeia administradores entre os credores, os quais são responsáveis pela administração da massa falida. 

Sempre que são necessários os serviços de um perito para elaborar balanços ou demonstrações financeiras de empresas com ações na bolsa ou privadas, qualquer guarda-livros pode ser designado, desde que tenha a confiança dos administradores, administradores judiciais ou do juiz, conforme as circunstâncias do caso.

11 dezembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas - 5

Alan Sangster, em The Emergence of Double Entry Bookkeeping, analisa um livro-razão de cambistas-banqueiros de Florença, datado de 1211. Esse registro é anterior aos documentos comerciais também de Florença, como os de Rinieri Fini e irmãos (1296-1305) e de Giovanni Farolfi (1299-1300). Essa é uma das primeiras questões abordadas no texto. A análise do documento leva Sangster a concluir que ele representa um exemplo típico da aplicação do método das partidas dobradas.

Um dos argumentos apresentados no artigo é que o método empregado no documento de 1211 é semelhante ao encontrado em registros posteriores. Apesar de algumas contas não seguirem um formato rígido e da ausência de numeração nas páginas, Sangster conseguiu reorganizar o conteúdo em uma notação mais moderna, utilizando apenas os elementos presentes no pergaminho. Isso reforça a ideia de que o método das partidas dobradas já existia, no mínimo, desde 1211, provavelmente em Florença.

Outra questão importante discutida pelo autor é: por que o método das partidas dobradas surgiu justamente em Florença? Esse tema já foi amplamente debatido na literatura. Alguns autores sugerem que a adoção dos números hindus no comércio, após a aprovação do Papa Silvestre, foi um fator influente. Outros destacam os empreendimentos comerciais, como os narrados por Marco Polo. Entre os séculos IX e XI, as feiras se consolidaram como centros comerciais no norte da Itália. Para que essas feiras funcionassem, era necessária não apenas uma estrutura física, mas também um sistema jurídico que garantisse a segurança das transações.


O escambo, ou troca direta de mercadorias, era ineficiente para o desenvolvimento do comércio, pois exigia que ambas as partes tivessem algo de interesse mútuo. A moeda surgiu como solução, mas na época havia muitas variações de moedas em circulação, o que dificultava sua conversão e tornava seu uso incerto devido à qualidade e autenticidade inconsistentes. Nesse cenário, os banqueiros-cambistas desempenharam um papel central ao fornecer serviços de troca de moedas e registrar transações como depósitos. Esse sistema mitigava os problemas das moedas e oferecia um mecanismo de conversão confiável.

Conforme as feiras cresciam, os cambistas começaram a atuar como intermediários financeiros, oferecendo empréstimos e gerindo depósitos. No entanto, para que essas atividades prosperassem, era necessário um sistema jurídico que protegesse tanto os cambistas quanto os credores. É aqui que entra o direito consuetudinário, um conjunto de normas baseadas em costumes e práticas aceitas como obrigatórias por uma comunidade. Em cidades como Florença, esse arcabouço jurídico proporcionava proteção aos cambistas-banqueiros, garantindo a validade dos registros contábeis nos tribunais.


Sangster argumenta que os tribunais reconheceram os lançamentos contábeis dos cambistas-banqueiros como documentos probatórios de transações, mas isso só era possível quando os registros seguiam o padrão do método das partidas dobradas, que exigia contrapartidas para cada lançamento. Esse reconhecimento jurídico foi fundamental para a prevalência do método em cidades como Florença, onde o direito consuetudinário estava mais consolidado, em contraste com outras cidades, como Gênova.

A aceitação dos livros-razão bancários como prova em tribunais não apenas incentivou a uniformidade dos registros entre os cambistas, mas também explica a preservação desses documentos históricos. Em outras palavras, a confiança no sistema contábil dos cambistas foi essencial para o desenvolvimento e expansão do método das partidas dobradas no início do século XIII.

Dito de outra forma, o que no Brasil do século XIX ficou conhecido como escrituração mercantil teve origem na prática dos cambistas-banqueiros medievais. Esses profissionais eram confiáveis para os participantes do comércio, oferecendo serviços financeiros completos, que incluíam depósitos, empréstimos e a resolução de disputas. 


Em resumo, o registro mais antigo conhecido do método das partidas dobradas é de 1211. Florença, junto com outras cidades comerciais que se destacavam pelas feiras, foi o centro dessa inovação, que surgiu na contabilidade dos cambistas-banqueiros, e não nos registros de comerciantes ou do governo. O reconhecimento do direito consuetudinário foi um fator-chave para sua criação e disseminação.

18 novembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas - 5


Sobre a educação e ensino de contabilidade na idade média:

O desenvolvimento de escolas de aritmética (e álgebra) desde o final do século XIII, e seu florescimento no século XV, está bem documentado, juntamente com o currículo dessas escolas e evidências da frequência quase universal entre jovens do sexo masculino (Baxandall, 1972; van Egmond, 1976). Contudo, os dois exemplos de um currículo que possuímos não mencionam métodos de contabilidade, e é necessário supor que esse treinamento, caso existisse, era realizado no local de trabalho, e o conhecimento que temos dos métodos de contabilidade mais antigos provém do estudo de exemplos reais e práticos, em registros contábeis que sobreviveram.

The influence of Amatino Manucci and Luca Pacioli - Fenny Smith - BSHM Bulletin - Volume 23 (2008), p. 144

 

Quem inventou as partidas dobradas - 4


Ainda sobre a evolução do método nas cidades italianas nos anos 1200 e utilizando informações do texto The Influence of Amatino Manucci and Luca Pacioli, de Fenny Smith, seguem alguns dos documentos contábeis mais antigos que sobreviveram, provenientes das cidades italianas, no período que antecedeu o surgimento das partidas dobradas:

  • Um documento de 1211, um dos mais antigos preservados, consiste em duas folhas de pergaminho que fazem parte do livro de clientes de uma firma bancária desconhecida, que operava em Florença, Bolonha e Pisa. O detalhe interessante é que todos os valores estão registrados em moeda de Pisa.
  • Extratos da conta de depósito (1259–1267) de Gualtieri dal Borgo, tutor dos filhos de Rinieri Ugelletti. Este documento contém a conta mais antiga sobrevivente de um credor ou depositante. Os juros estão incluídos no corpo da conta, e há referências a outros documentos contábeis, que infelizmente não existem mais. Há também uma tentativa de fechamento das contas, com o uso de uma unidade monetária única: a nova moeda de prata florentina.
  • O livro doméstico (1262–1275) de Bene Bencivenni, um rico florentino, que contém principalmente contas de devedores, mas inclui também um grande investimento em uma firma. O livro é menos sofisticado que os anteriores, indicando que nem todas as inovações eram rapidamente adotadas nos negócios.
  • Administração (1272–1278) do patrimônio de Baldovino (falecido em 1272), com o uso de uma unidade monetária única, o florim de prata, e o balanceamento anual sistemático das contas para calcular juros compostos.
  • Contas de Gentile de’ Sassetti e filhos (1274–1310), compostas majoritariamente por registros domésticos, mas incluindo também um grande investimento no negócio da família. O documento não utiliza uma unidade monetária única, mas possui uma conta de aluguel a receber.
  • Outro livro contábil (1277–1296) de Bene Bencivenni, que é uma continuação do primeiro. Este documento contém os primeiros casos inequívocos de cancelamento de dívidas incobráveis. A frase “Eu não acho que conseguirei algum dinheiro” aparece no final de várias contas de dívida.

21 dezembro 2023

Importância da Aula de Comércio

Eis o resumo: 

A determinação do Marquês de Pombal foi imprescindível para a inauguração da Aula do Comércio, em 1759, constituindo esta um marco na História da Contabilidade Portuguesa devido ao seu pioneirismo no ensino do método digráfico em Portugal. Em virtude da sua importância, o estudo deste estabelecimento de ensino público é o objectivo deste trabalho, mais concretamente a dissecação das razões e objectivos da sua criação, interligando estes com o ambiente sócio-económico da época de forma a tornar mais compreensível o contexto histórico que levou à sua fundação, bem como o aprofundamento de questões como as suas regras de funcionamento, os primeiros lentes, as disciplinas ali leccionadas ou a sua importância no desenvolvimento da Contabilidade em território português. Quanto a este último aspecto, iremos concluir que a Aula contribuiu para um melhor emprego da partida dobrada e para a sua divulgação em Portugal, sendo igualmente determinante para o surgimento de uma classe de contabilistas portugueses devidamente habilitados, acabando, desta forma, com o atraso existente em matéria de conhecimentos e técnicas comerciais. 


Tudo leva a crer que Pombal conhecia as partidas dobradas. Mas já comentamos aqui do atraso de Portugal, onde o método apareceu somente 450 anos depois de seu aparecimento na Itália. Para as colônias, o atraso foi ainda maior, já que era proibida a imprensa e as escolas superiores. 


Também é interessante notar que a adoção das partidas dobradas só ocorreu após a morte de João V, em 1750. E deixou um governo com sérios problemas financeiros, mesmo com a riqueza brasileira. O texto fala em

uma máquina administrativa totalmente inoperante; fraudes, usos e especulações de toda a espécie nas organizações dependentes do Estado; a estagnação da indústria em Portugal; e a decadência do comércio que, na sua maioria, estava em poder de mercadores estrangeiros (GOMES, 1999a, p. 550)

Eis outro trecho interessante do texto: 


A afluência de matrículas foi progredindo até ao 5.º curso. Assim, enquanto no 2.º curso se matricularam 163 discípulos, no 5.º, iniciado em Abril de 1777, matricularam-se 307. A partir desta data o número de alunos matriculados começou a decair ligeiramente, até às Invasões Francesas, em 1807, durante as quais se verificou uma forte redução na frequência do curso, o que se justifica pelo receio por parte dos naturais das províncias de se deslocarem à capital e pela ausência de alunos brasileiros. Como exemplo podemos apontar o número de alunos que frequentavam a Aula em 1809: 74 aulistas.

Não fica claro se esta ausência ocorria já antes da invasão francesa. Mas é preciso destacar que ocorreu uma transferência da Aula para o Brasil. 

Temos uma carência de estudos históricos de contabilidade no Brasil. Uma das questões pendentes é o uso das partidas dobradas no país na época da colônia. Aqui uma pista: 

Para além destes exemplos, Oliveira (2009) acrescenta outro: a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Esta utilizava, desde o ano da sua criação – 1756 –, o método das partidas dobradas. Contudo, o mesmo autor também salienta o facto de o primeiro guarda-livros da Companhia, João Hecquenberg, pertencer a uma família alemã e de ter sido enviado para o Brasil para ter formação contabilística com o guarda-livros da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, que já conhecia e utilizava a método digráfico. De acrescentar, que este também não era português mas sim francês. 

Pode ser que a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão seja pioneira. Em resumo:

Antes de finalizar temos de referir que tudo foi feito pelo Marquês de Pombal e pelo Rei D. José para defender a Aula do Comércio e os seus alunos. Nesta perspectiva, foram concedidas diversas regalias aos aulistas como a obrigação da contratação de pessoas formadas na Aula do Comércio para determinados cargos públicos; o estabelecimento dos ordenados dos Guarda-Livros diplomados; etc. Contudo, e a partir do momento em que as ideias mercantilistas deram lugar ao liberalismo, assistiu-se à lenta decadência desta escola até à sua extinção em 1844, altura que é integrada no Liceu Nacional de Lisboa. 

O artigo foi publicado há mais de 10 anos e traz bons ensinamentos: 

Revista Universo Contábil, ISSN 1809-3337 FURB, v. 7, n. 2, p. 97-113, abr./jun., 2011

22 outubro 2023

Contabilidade e os Incas

Os astecas e dos incas eram uma civilização importante quando da chegada dos espanhóis nas Américas. Pedro Demo escreve um longo texto sobre a razão do Estado não ter uma origem. Sobre os incas, existia uma estrutura de poder centralizada com um sistema administrativo com a presença de uma contabilidade rústica, baseada no khipu (ou Quipo ou Quipu) cujos nós correspondiam a contabilidade dos bens (prata, ouro, roupa, rebanho, entre outras coisas) (exemplo, na figura a seguir). 


Os espanhóis baniram o uso do khipu em 1583 e parece que seu uso não seria somente numérico. Feito de cordões, coloridos ou não, alguns com enfeites, em que cada nó dado em cada cordão tinha um significado distinto. Os cordões eram feitos de lã ou alpaca ou algodão. Os incas usavam o sistema decimal e o meio de comunicação era transportado por mensageiros com a informação. 

07 outubro 2023

Qualidade e Contabilidade: Citações históricas compiladas por Chambers

Na obra An Accounting Thesaurus, 500 Years of Accounting, R. J. Chambers apresenta um grande número de citações sobre a contabilidade. Quer encontrar uma frase inspiradora para citar no seu trabalho, eis uma boa fonte de pesquisa. Para que os leitores do blog tenham uma ideia, fiz uma seleção de citações sobre qualidade na contabilidade. Das quase mil páginas do livro, o que irei postar a seguir representa meras quatro páginas. 

Há pérolas por serem antigas (caso de uma citação do século XVIII). Mas também há citações memoráveis, como a que diz que “as cifras contábeis são as sombras de eventos reais”. Ou a frase que emula uma declaração de um celebração religiosa: a contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade. 

330 Qualidade das Representações na Contabilidade

331 Contabilidade como descrição

Este método [partida dobrada] de manter registros é absolutamente necessário em um comércio extenso e complicado, para que os livros possam mostrar de maneira concisa e satisfatória quais dívidas o comerciante deve e quais estão sendo devidas a ele; quais propriedades ele possui; e quanto ele ganhou ou perdeu no comércio.

Morrison, 1849, 43

A própria palavra, "account" (conta), significa, tanto pelo uso atual quanto pela origem, uma narrativa, uma história, um registro. Deve lidar com o que aconteceu... . A contabilidade, eu acredito, deve ser objetiva.

Peloubet, 1935, 202

A seleção entre [métodos alternativos] ... deve ser tal que o indivíduo que usa as demonstrações contábeis como base para julgamento e ação legítimos chegaria ao mesmo julgamento e tomaria a mesma ação se pudesse estudar e interpretar os dados subjacentes a partir dos quais o contador fez a seleção.

Heaton, 1949, 471

A contabilidade não é um fim em si mesma, mas uma função de serviço, responsável por fornecer dados precisos e informativos à administração da empresa na forma de relatórios que descrevem a posição financeira e medem os resultados operacionais. É uma parte importante da linguagem dos negócios.

Easton & Newton, 1958, 11

As cifras contábeis são as sombras de eventos reais... .

Goetz & Klein, 1960, 385

Em um sentido muito importante, a contabilidade é passiva. Registramos o que aconteceu ou, pelo menos, o que pensamos que aconteceu. Não, apenas pelo simples processo de lançar, criamos algo que não existia antes. Se pudéssemos criar algo por esses meios... poderíamos criar uma posição financeira favorável a qualquer momento.

Moonitz & Jordan, 1963, 382 

A informação serve como uma representação dos princípios... a função principal da informação contábil não é fornecer respostas para problemas; é gerar representações relevantes de princípios relacionados aos problemas.

Chen & Summers, 1977, 114, 115

Contas esperadas para serem uma descrição verdadeira

Os livros de um comerciante devem exibir o verdadeiro estado de seus assuntos: …

Kelly, 1801, 1

Os assuntos e transações da empresa devem ser levados a um saldo justo e verdadeiro pelo conselho de administração [no final de cada semestre]... e um balanço patrimonial deve ser preparado contendo um relato verdadeiro dos assuntos e transações da empresa, bem como os lucros líquidos do banco durante o semestre imediatamente anterior... .

BNSW, Deed of Settlement, 1850

Um balanço patrimonial completo e justo deve ser um balanço patrimonial que transmita uma declaração verdadeira sobre a posição da empresa, [segundo o Juiz Rigby]

London and General Bank Ltd No. 2, 

Re, 1895, 961 

É um crime empresarial falsificar os livros de modo que a verdade não seja revelada ao público, cujo dinheiro está investido no negócio.

Bentley, 1911, 158

[O balanço patrimonial] deve ser um documento que apresenta a verdadeira situação do negócio.

Spicer & Pegler, 1914, 299 

A contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade; e não deve ser afetada pelos desejos, preconceitos ou ideias de como as coisas teriam sido se fossem diferentes. O problema da contabilidade é mostrar como as coisas realmente são.

Cole, 1921, 278 

A declaração periódica da posição financeira e o relatório [dos números de resultados]... devem refletir consistentemente imagens verdadeiras das condições e tendências de negócios atuais... se essas declarações devem servir de base para julgamentos racionais.

Paton, 1922/1962, 425

O princípio subjacente relacionado à apresentação e classificação de itens e contas nas demonstrações financeiras dificilmente é um princípio contábil de fato, mas sim o princípio moral de que, com relação às demonstrações financeiras, o contador está obrigado a dizer a verdade completa.

Byrne, 1937, 376

[Contadores] são intérpretes... Se os intérpretes não dizem a verdade, ou não dizem a verdade completa, ou dizem verdades misturadas com meias-verdades, muitas pessoas podem ser enganadas, causando-lhes prejuízo.

MacNeal, 1939, 1

Qualquer impressão geral transmitida por [um relatório contábil] deve ser uma impressão verdadeira... Nenhuma informação deve ser omitida que, se divulgada, alteraria substancialmente as impressões dadas no relatório.

Rorem & Kerrigan, 1942, 556

Buscamos a verdade nas contas. Isso significa transações passadas. Nunca assumimos e nunca assumiremos saber se o nível de preços futuro, o dólar futuro, a demanda futura por inventários garantirão vendas ou uso lucrativo das instalações além ou igual às datas do balanço patrimonial.

Montgomery, 1947, 460 

Contas esperadas para não serem enganosas.

As contas devem mostrar a verdade e não serem enganosas ou fraudulentas, [conforme o Juiz Lindley].

Werner v General and Commercial 

Investment Trust, 1894

Este é um daqueles casos difíceis... em que um documento foi apresentado com a finalidade de ser usado (prospectos e outras coisas) e apresentado em tal forma, embora afirmasse cada fato corretamente, fato por fato, no entanto, o verdadeiro efeito do que foi dito era completamente falso e completamente enganador. [Juiz Wright, instrução ao júri; caso Royal Mail, Rex v Lord Kylsant & another, 1931]

Brooks (ed), 1933, 255

Todas as auditorias... fornecem uma examinação independente das contas com o objetivo de garantir que os diretores ou sócios não sejam eles próprios enganados e não enganem outros quanto à posição financeira do empreendimento e ao lucro ou prejuízo decorrente de suas operações.

Lawson, 1951, 305

Quando [as demonstrações financeiras] são publicadas... deve-se ter o cuidado de garantir que as demonstrações sejam compreensíveis para um leitor informado e que a impressão geral transmitida não seja enganadora... .

Moonitz & Staehling, 1952, 1:469

O que o contador nos diz pode não ser verdadeiro, mas se sabemos o que ele fez, temos uma ideia justa do que isso significa... a contabilidade pode não ser verdadeira, mas não são mentiras; ela não engana porque sabemos que não diz a verdade, e somos capazes de fazer nossos próprios ajustes em cada caso individual, usando os resultados do contador como evidência em vez de informação definitiva.

Boulding, 1962, 54 

Os relatórios contábeis devem divulgar o que é necessário para que não sejam enganosos.

Moonitz, 1961, 50

A profissão contábil tem a responsabilidade geral de garantir que as demonstrações financeiras publicadas forneçam informações que não sejam irrelevantes ou enganosas.

ASA, 1966, 7

O objetivo de uma auditoria é garantir que as contas sobre as quais o auditor está relatando apresentem uma visão verdadeira e justa e não sejam enganosas.

Cooper, 1966, 1

A seleção de um determinado princípio contábil só está errada quando tende a enganar.

Stewart, 1972, 103

Espera-se que as demonstrações financeiras sejam factuais.

Debitamos a conta que recebe;

E àquela que entrega, damos crédito.

Além disso, somos obrigados em cada transação

Que a ciência estabeleça claramente o certo e o fato.

Snell, 1710, 1

Os contadores devem lidar com números como fatos simples... Os contadores não têm absolutamente nada a ver com estimativas ou esperanças de lucro.

Worthington, 1895, 67

Um balanço patrimonial não deve ser uma fotografia da opinião de um contador, mas sim uma fotografia dos fatos com base nos quais sua opinião é fundamentada.

Bentley, 1912a, 161

Nada registrado nos livros contábeis ou publicado em relatórios pode alterar os fatos reais dos negócios... O simples fato de uma maneira alternativa de declarar algo converter um lucro em uma perda é uma prova positiva de que uma das alternativas está errada; pois os fatos não podem oferecer a alternativa de lucro ou perda.

Cole, 1933, 479

Nenhum obstáculo pode ser corretamente colocado entre lançamentos contábeis e fatos financeiros.

Dohr, 1941, 205

Se a contabilidade não é um dispositivo para refletir fatos, o que é então?

Accountant, editorial, 1945, 318

Não imagine que, ao alterar a forma da conta, você pode possivelmente alterar os fatos... o momento em que a verdade começa a ter que ser retida em um círculo interno é um momento de perigo... nenhuma simplificação excessiva ou alteração de forma pode possivelmente alterar os fatos.

fforde, 1950, 514, 515

[Na lei] Lançamentos contábeis não produzem lucro ou prejuízo; nem criam ou destroem fatos. Os fatos reais, como encontrados pelo tribunal, são controladores, e não os lançamentos contábeis adotados pelos contadores corporativos para refletir as transações sob escrutínio.

Hills, 1957/1982, 23

A contabilidade factual resulta em relatórios financeiros que refletem adequadamente a posição financeira e os resultados das operações, de forma comparável entre empresas dentro de uma indústria e entre empresas de diferentes setores. Esse é o tipo de contabilidade que melhor serve aos investidores. Todas as empresas seguem em certo grau a contabilidade factual.

Spacek, 1964b, 70

Aqueles não familiarizados com a contabilidade têm naturalmente a tendência de assumir que um balanço patrimonial é uma declaração factual que mostra o valor dos ativos... .

Myer, 1969, 24

Observadores e usuários [das demonstrações financeiras] (incluindo muitos analistas financeiros) que não estão familiarizados com os desenvolvimentos institucionais e históricos dos padrões de relatórios financeiros usam os números oferecidos para o total de ativos como se fossem descrições precisas dos recursos econômicos totais da empresa em relatório.

Abdel-khalik, 1992, 12 

30 setembro 2023

Histórico da criação das normas ambientais do ISSB

A cronologia a seguir apresenta um interessante histórico das normas de sustentabilidade do ISSB. Preparado pelo inglês AccountancyAge, há algumas ausências - como a constituição dos membros da entidade e o anúncio de abertura de representações em diferentes países - mas pode ajudar quem deseja fazer uma pesquisa retrospectiva. 


O lançamento das primeiras normas de divulgação relacionadas ao clima pelo Conselho Internacional de Normas de Sustentabilidade (ISSB, na sigla em inglês) foi celebrado pelos participantes do mercado como um momento crucial no âmbito das demonstrações empresariais.

Desde a criação do ISSB em 2021, o objetivo tem sido fornecer uma base mundial de alta qualidade para as divulgações de sustentabilidade, com ênfase inicial em requisitos detalhados relacionados ao clima.

Com a notícia de que o governo do Reino Unido adotará as normas do ISSB, a Accountancy Age compilou uma breve linha do tempo de todos os eventos-chave.

Dezembro de 2021

Durante a conferência sobre mudanças climáticas COP26 em novembro de 2021, Erkki Liikanen, presidente do Conselho de Curadores da Fundação IFRS, revelou a criação do ISSB.

O ISSB recebeu a tarefa de criar um conjunto abrangente e globalmente aceito de normas de divulgação de sustentabilidade de alta qualidade para atender às necessidades informativas dos investidores.

A Fundação IFRS também revelou planos para integrar o Climate Disclosure Standards Board (CDSB), que é uma iniciativa do Carbon Disclosure Project (CDP), e a Value Reporting Foundation (VRF).

Dezembro de 2021

Após a COP26, Emmanuel Faber foi anunciado como o primeiro presidente do ISSB pela Fundação IFRS. Faber anteriormente atuou como CEO da Danone e era conhecido por defender objetivos de ESG, mas foi polemicamente afastado de seu cargo em 2021.

Sue Lloyd também foi anunciada como vice-presidente. A jornada profissional de Lloyd envolveu diversos cargos em bancos de investimento no Reino Unido e na Austrália, além de seu mandato como membro do Conselho de Normas Contábeis da Austrália (AASB).

Março de 2022

Em março de 2022, o ISSB emitiu seus primeiros dois rascunhos de exposição, o IFRS S1 Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade e o IFRS S2 Divulgações Relacionadas ao Clima.

O IFRS S1 define as diretrizes que as empresas precisam seguir ao relatar os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que encontram. O IFRS S2 foca tanto nos riscos quanto nas oportunidades relacionadas ao clima, destinado a ser usado em conjunto com o IFRS S1.

Abril de 2022

O ISSB anunciou a criação de um grupo de trabalho composto por representantes de várias jurisdições. O grupo tinha como objetivo facilitar um intercâmbio construtivo, promovendo uma melhor alinhamento entre os rascunhos de exposição do ISSB.

O estabelecimento do grupo de trabalho fazia parte de uma iniciativa de alcance abrangente destinada a promover a contribuição e o envolvimento de todas as jurisdições e categorias de partes interessadas no processo de consulta do ISSB.

Maio de 2022

O ISSB e o Conselho de Normas Contábeis Internacionais (IASB) anunciaram suas intenções quanto às futuras responsabilidades, governança e evolução do Integrated Reporting Framework e dos Integrated Thinking Principles dentro da Value Reporting Foundation (VRF).

Isso significava que o Integrated Reporting Framework faria parte dos materiais da Fundação IFRS.

Junho de 2022

A Fundação IFRS e a VRF anunciaram a finalização de sua consolidação para melhor alinhar seus esforços de relatórios de sustentabilidade, com uma data efetiva em 1º de julho de 2022.

Abril de 2023

O ISSB revelou que oferecerá auxílio de transição às empresas à medida que implementa os dois conjuntos de normas de sustentabilidade. Esse suporte tinha como objetivo permitir que as empresas se concentrassem em divulgar detalhes sobre os riscos e oportunidades relacionados ao clima em seu primeiro ano de relatórios.

A partir do ano seguinte, as empresas serão obrigadas a apresentar relatórios abrangentes que englobam riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que vão além das considerações apenas climáticas.

Junho de 2023

O ISSB emitiu formalmente suas duas primeiras normas, considerando isso como uma "nova era" para as divulgações relacionadas à sustentabilidade nos mercados de capitais em todo o mundo.

De acordo com o ISSB, as normas ajudarão a aumentar a confiança e a garantia nas divulgações de sustentabilidade corporativa, melhorando assim as escolhas de investimento.

As normas serão eficazes para períodos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Julho de 2023

A Organização Internacional de Comissões de Valores (IOSCO) declarou sua aprovação das normas apresentadas pelo ISSB, após realizar uma extensa avaliação.

A IOSCO instou agora suas 130 jurisdições membros, que abrangem mercados de capitais e órgãos reguladores que supervisionam mais de 95% dos mercados globais de valores mobiliários, a considerar a integração das normas do ISSB em seus respectivos quadros regulatórios individuais. Essa integração tem como objetivo garantir consistência e a capacidade de comparar divulgações relacionadas à sustentabilidade em escala global.

Agosto de 2023

O governo do Reino Unido recentemente revelou sua decisão de adotar as normas de sustentabilidade do ISSB, à medida que busca atingir sua meta de zero emissões líquidas até 2050.

Em um comunicado, o Departamento de Negócios e Comércio anunciou que as normas de divulgação no Reino Unido estabelecerão diretrizes que governarão a forma como as empresas comunicam seus riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade e serão baseadas nas normas do ISSB.