Sempre tive a impressão de que o termo “guarda-livros” e seu uso na língua portuguesa eram bastante antigos. Por isso, foi com surpresa que não o encontrei no Dicionário de Moraes, mesmo este tendo sido editado no final do século XVIII. Já no Aulete (p. 884), encontramos:
Empregado que, em qualquer casa de comércio, registra nos livros todo o movimento comercial da mesma casa.
Trata-se de um verbete bastante curto. Figueiredo (p. 983), mesmo sendo um dicionário mais extenso, também não dedica muito espaço ao termo:
Empregado comercial que registra o movimento do comércio em uma ou mais casas.
Chama atenção o fato de Figueiredo considerar que o profissional guarda-livros poderia trabalhar em mais de uma casa comercial. Essa situação é natural para um contador moderno que possua escritório próprio, mas soa incomum ao se imaginar o contexto da virada do século XIX para o XX.
E é só isso. Nada que desperte grande curiosidade ou atenção.
Pesquisando na obra literária de Machado de Assis (imagem), encontrei o uso do termo em Helena:
Minha vida começou a ser um mosaico de profissões; aqui onde me veem, fui mascate, agente do foro, guarda-livros, lavrador, operário, estalajadeiro, escrevente de cartório; algumas semanas vivi de tirar cópias de peças e papéis para teatro.
Em Memorial de Aires:
Aguiar casou guarda-livros. D. Carmo vivia então com a mãe, que era de Nova Friburgo, e o pai, um relojoeiro suíço daquela cidade. Casamento a grado de todos. Aguiar continuou guarda-livros, e passou de uma casa a outra e mais outra, fez-se sócio da última, até ser gerente de banco, e chegaram à velhice sem filhos. É só isto, nada mais que isto.
Em Quincas Borba:
Não me respondeu, fingiu que estava absorvido em uma conta, chamou o guarda-livros e pediu explicações.
Nos contos e outros escritos, o termo também aparece. Pelo visto, o nosso grande escritor evitava usar a palavra “contabilidade”, mas recorria com frequência a “guarda-livros”.
Referências
Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.
Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.
Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.
Assis, M. de. (1876). Helena. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.
Assis, M. de. (1908). Memorial de Aires. Rio de Janeiro: Garnier.
Assis, M. de. (1891). Quincas Borba. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.
(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)