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01 maio 2025

Possibilidade de uma informação contábil contínua para o usuário externo

Nos anos 1980, Johnson e Kaplan publicaram Relevance Lost, uma obra na crítica à contabilidade da época. Entre os diversos pontos levantados, destacaram-se as preocupações com a crescente perda de relevância das informações contábeis, principalmente em virtude da questão temporal. Para os autores, a contabilidade havia se tornado excessivamente voltada ao curto prazo, com ciclos de informação que tornavam-se menos frequentes e menos úteis para a tomada de decisão estratégica.

Há muito tempo que a contabilidade produz informações com periodicidade definida: balanços e demonstrações anuais para a maioria das empresas, ou trimestrais para aquelas de maior porte, sobretudo as listadas em bolsa. Eventos relevantes são comunicados ao mercado de maneira pontual, por meio de notas explicativas ou comunicados oficiais. No entanto, essa lógica se sustenta ainda no contexto atual?

Vivemos em um mundo de dados em tempo real. As informações circulam constantemente, e modelos preditivos — em especial os baseados em estatística bayesiana — ajustam suas estimativas com cada novo dado incorporado. No caso de empresas em situação delicada, a lógica de acompanhar resultados com base em períodos fixos parece cada vez mais obsoleta. Aqui o acompanhamento deveria ser contínuo, quase em tempo real.


A contabilidade tradicional talvez não esteja estruturada para oferecer uma informação tão completa como àquela que é disponibilizada no encerramento do exercício. Ainda assim, há elementos que poderiam ser monitorados e divulgados com maior frequência. O caixa é o exemplo mais evidente, mas métricas como receitas ou fluxos de recebimento poderiam oferecer sinais úteis. Muitas empresas já acompanham esses dados internamente, com finalidades gerenciais; a questão é se parte disso poderia ser disponibilizada também aos usuários externos.

Não devemos deixar de considerar se isso passa pelo crivo da relação custo-benefício. Arrisco dizer que sim. Afinal, essas informações já existem — estão sendo coletadas, analisadas e utilizadas pelas empresas. No entanto, não se pode ignorar os custos ocultos dessa transparência: há o estresse gerencial e o risco de que gestores passem a tomar decisões voltadas apenas para manter indicadores positivos no curto prazo, e não para garantir a sustentabilidade do negócio. 

Por fim, cabe uma analogia com a meteorologia: modelos climáticos operam em ciclos curtos, ajustando-se a cada nova informação. No entanto, a informação contábil não é (ou talvez não deva ser) da mesma natureza. Há, aqui, uma diferença estrutural entre o que é medir o tempo e o que é capturar a substância de um negócio. Talvez esse seja o desafio da contabilidade contemporânea.

Escrito a partir de reflexões dessa postagem aqui

21 agosto 2018

Informação trimestral sob crítica nos EUA

Com um tuíte, o presidente dos Estados Unidos propôs que a SEC, o regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, abolisse a exigência de que empresas com ações negociadas em bolsa divulgassem demonstrações contábeis trimestrais.

Divulgar demonstrações trimestrais teria as seguintes desvantagens:

1 - É caro - mesmo com a redução do custo da informação, proporcionada pela revolução da internet, fechar as demonstrações com este intervalo de tempo é caro. Além dos pagamentos para o auditor e conselheiros, existem custos de obtenção da informação e sua divulgação, mesmo quando só publicado na internet.
2 - Foco no curto prazo - a divulgação trimestral faz com que os investidores tenham foco nos resultados trimestrais, de curto prazo. Algumas empresas esquecem da visão estratégica de longo prazo, para focar nos resultados com periodicidade reduzida.
3 - Há formas de divulgação mais efetivas e com menor custo - em lugar de uma longa divulgação, com um processo interno complexo, que inclui passar por diversos conselhos, é possível divulgar algumas informações mais relevantes. Em algumas empresas, alguns poucos números já é suficiente para se ter uma ideia do desempenho de uma empresa.
4 - Experiência de alguns países - Recentemente diversos países aboliram a exisgência e isto não provocou uma grande perda na qualidade das transações no mercado. Desde 2013, a Comissão Européia já não tem esta exigência.

A favor da manutenção da prática é importante citar que alguns consideram uma informação relevante. Saber o que está ocorrendo em uma empresa com uma periodicidade menor pode ajudar a ter um quadro melhor da empresa. Além disto, se existem problemas (ou tendências) em uma empresa, tal fato pode ser notado de forma mais ágil.

Leia mais: EDGECLIFFE-JOHNSON, Andrew; BADKAR, Mamta. Trump propõe à SEC acabar com balanço trimestral. Financial Times, publicado no Valor, 20 de agosto de 2018, C2.

06 março 2009

Relatórios Trimestrais e Crise

O artigo a seguir faz um ataque aos relatórios trimestrais, usando como exemplo o Japão e a Ásia:

Maldição trimestral assola os mercados
William Pesek – 2/3/2009 - Valor Econômico

(...)
A americanização do Japão tem sido um objetivo dos Estados Unidos por décadas. (...) Há indícios de que as autoridades dos EUA estejam recebendo o que queriam, e isso não é necessariamente uma coisa boa. (...)

Não é divertido ser uma empresa de capital aberto nos nossos dias - não com as economias desabando e os mercados de crédito paralisados. Os acionistas estão exigindo ação dos executivos do alto escalão e, portanto, eles estão recorrendo a cortes de pessoal. A motivação para estas iniciativas parece bastante clara: o próximo balancete trimestral.

Pode ter chegado a hora de abolir este extremamente apreciado pilar do capitalismo ao estilo americano.

Uma das semelhanças existentes entre as explosões da Enron e do Lehman Brothers é o pensamento de curtíssimo prazo e os bizarros modelos de remuneração. O sistema dos EUA agora em frangalhos estimulou a contabilidade criativa, como: exagerar no valor dos ativos; diminuir a importância dos riscos e ocultar o que não se consegue explicar fora do balanço patrimonial.

Se os executivos não precisassem impressionar os investidores a cada poucos meses, estariam menos inclinados a assumir riscos extremos ou a cozinhar os números. Longe de resultar em menos transparência, um mundo sem dramas trimestrais poderia estimular rendimentos mais regulares e menos orgulho financeiro arrogante.

Qualquer pessoa que quiser deitar os olhos nessa linha de pensamento desejará ler "The Smartest Guys in the Room" (os mais espertos da sala), o livro de 2003 de Bethany McLean e Peter Elkind sobre o desaparecimento da Enron. Seu relato sobre os procedimentos de fritura pesada da contabilidade corporativa é valioso como nunca, nesse momento em que Wall Street arde.

Até executivos que não estão se envolvendo com fraude podem deixar as pressões dos demonstrativos de resultados trimestrais distorcerem o seu modo de pensar.

O Japão começou a exigir que todas as empresas registradas em bolsa informassem trimestralmente os seus resultados em 2003. Agora os executivos podem estar tomando providências contraproducentes que lamentarão em mais cinco anos. NEC, Nissan, Panasonic e outras estão ajudando a alarmar os consumidores, induzindo-os a uma hibernação plurianual. Em vez de gastarem mais, os 127 milhões de habitantes do país pouparão mais agressivamente.

(...) Grandes coisas podem advir de empresas que aderirem mais a padrões internacionais e acolherem positivamente o investimento estrangeiro. Maior diversidade internacional nos gabinetes dos diretores das corporações e entre os grandes acionistas poderia sacudir o Japão S.A. para melhor.

Num mundo perfeito, apresentar relatórios a cada poucos meses força a responsabilidade e a transparência, mas isso joga desproporcionalmente o enfoque num período de 90 dias, à custa do quadro mais amplo.

Hong Kong, por exemplo, quer instituir relatórios trimestrais para substituir o sistema semestral atual. É o caso de se questionar se é benéfico ter executivos na nona maior economia da Ásia sendo constantemente distraídos pelo placar.

Informes semestrais - ou até anuais - podem criar um ambiente mais estável. À medida que os executivos fortalecerem as lacunas com atualizações confiáveis aqui e acolá sobre rentabilidade e riscos, haverá menos enfoque direto sobre preços de ações.

Os investidores poderão recompensar empresas que voluntariamente oferecem análises aprofundadas reais sobre sua saúde, em contraponto às que não o fazem. Se a realidade a cada seis a 12 meses não combinar com a informação, as ações seriam castigadas. Falemos sobre deixar os mercados livres funcionarem.

A Ásia precisa se abrir mais ao mundo financeiro ao seu redor. Os comunicados recentes sobre demissões nos levam a perguntar se o Japão estaria aprendendo as lições erradas com o Ocidente.

Observe que existe uma crítica interessante a adoção das normas internacionais. Convergir para único padrão implica em reduzir a criatividade dos mercados locais.