Antes de tratar da palavra “escriturário”, gostaria de destacar que Moraes, Aulete e Figueiredo também registram o termo “escrevente” como alguém que escreve por modo de vida, que copia o que outrem dita (Moraes, p. 536), como “copista” (Aulete, p. 663) ou “aquele que tem por cargo copiar o que outrem escreve ou escrever o que outrem dita” (Figueiredo, p. 776). Aulete define “escriturário” como sinônimo de “escrevente” (p. 664).
Quanto ao termo “escriturário” (ou escripturario, na ortografia da época), Moraes (p. 536) é bastante econômico e define como:
Homem versado nas sagradas letras. O que escritura em livros.
Os dicionários costumam refletir sua época. No caso de Moraes, seu dicionário foi produzido quando Portugal e suas colônias começavam a adotar o método das partidas dobradas. O fato de o verbete “escriturário” ser tão econômico é, ao mesmo tempo, prova e consequência de que a contabilidade ainda não era uma realidade consolidada.
Mais de cem anos depois, Aulete registrava (p. 664):
Ação ou trabalho de escriturar ou de escrever. Arte de arrumar os livros comerciais ou de escriturar sistematicamente as diferentes partidas ou artigos. Arrumação dos livros de uma casa comercial; elaboração sistemática e metódica, em livros competentes, das contas de uma casa comercial; o conjunto dos documentos escritos relativos aos negócios de uma casa comercial.
Para Figueiredo (p. 777), “escrituração” é:
Ato de escriturar. Escrita dos livros comerciais; arte de os escriturar. Escrita metódica das contas de uma casa comercial.
E “escriturar” seria:
Registar metodicamente (o movimento de uma casa comercial ou de uma empresa industrial, os documentos de uma repartição pública etc.).
Como consequência, ainda para Figueiredo, “escriturário” é:
Aquele que faz escrituração. Escrevente.
Em Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo (foto), encontramos o seguinte trecho:
O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir no trabalho interrompido pouco antes. Entrou no seu escritório e foi sentar-se à secretária.
Defronte dele, com uma gravidade oficial, empilhavam-se grandes livros de escrituração mercantil. Ao lado, uma prensa de copiar, um copo de água, sujo de pó, e um pincel chato; mais adiante, sobre um mocho de madeira preta, muito alto, via-se o Diário deitado de costas e aberto de par em par.
Tratava-se de fazer a correspondência para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma nova carta, lançando cuidadosamente no papel a sua bonita letra, desenhada e grande (...).
(Veja os elementos da tecnologia da época: pena, livros, prensa de copiar, caligrafia, carta...)
Referências
Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.
Azevedo, A. de. (1884). Casa de Pensão. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.
Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.
Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.
(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)