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14 junho 2025

Grandes Civilizações e Contabilidade: Babilônia


Antes de iniciar, é importante distinguir Suméria, Mesopotâmia e Babilônia. A Suméria foi um reino que existiu anteriormente. A Mesopotâmia é uma região geográfica. Já a Babilônia foi a cidade central de uma civilização localizada na Mesopotâmia, atual Iraque. Era um centro econômico e cultural, com um impressionante desenvolvimento arquitetônico — o mais famoso deles, os Jardins Suspensos. Na prática, é comum tratar Suméria e Babilônia conjuntamente, como faz Chatfield no verbete sobre o assunto em The History of Accounting.

Falar da Babilônia é também falar de Hamurábi, rei da primeira metade do século XVIII a.C., e de Nabucodonosor (605–562 a.C.). Os vestígios da vida na cidade que sobreviveram ao tempo revelam uma intensa atividade econômica, com registros de empréstimos, operações comerciais e partilhas de herança. A cidade tem presença marcante na Bíblia: com a Torre de Babel, com Nabucodonosor e como símbolo do pecado, em uma conotação negativa.

Uma das principais influências da cidade é o Código de Hamurábi, um conjunto de leis provavelmente redigido pelo rei de mesmo nome, por volta de 1772 a.C. Fisicamente, trata-se de uma pedra, encontrada em 1901, com escrita cuneiforme e 282 leis (ou 281, já que a de número 13 foi omitida por superstição) distribuídas em cerca de 3.600 linhas. A mais conhecida é o princípio do talião (do latim talis, “tal” ou “igual”): olho por olho, dente por dente. O código traz diversas normas sobre o comércio, como aquelas relativas ao não cumprimento de contratos. Trata-se do primeiro corpo legal conhecido, e o fato de estar inscrito em pedra tem uma forte carga simbólica: a lei é imutável, nem mesmo o rei poderia alterá-la. 

O fato de os habitantes da Babilônia serem obcecados por registros contábeis, conforme destaca Michael Chatfield, é uma influência importante. Os códigos enfatizam essa prática. O Código de Hamurábi determinava que, ao vender uma mercadoria, o comerciante deveria entregar ao comprador um documento com os preços; se não o fizesse, o acordo poderia ser legalmente contestado. Assim, as transações comerciais eram registradas por escrito, com as assinaturas das partes e das testemunhas.

13 junho 2025

Grandes civilizações e contabilidade: Código de Hamurabi


O Código sobreviveu ao tempo, e hoje temos acesso ao conjunto de leis. O que transcrevemos a seguir da obra de Jair Lot Vieira. Há também a tradução do livro de Emanuel Bouzon, O Código de Hamurabi (Editora Vozes). Das leis existentes no Código, destaquei as seguintes:

7 - Se um homem comprou ou recebeu em depósito, sem testemunhas ou contrato, ouro, prata, escravo ou escrava, boi ou carneiro, asno, ou o que for, das mãos de um filho alheio ou de um escravo alheio, esse homem se assemelha a um ladrão e é passível de morte.

Esse texto destaca a importância do registro contratual das operações e a punição esperada. Veja que o código é rígido, o que deveria coibir trapaças. A lei a seguir segue no mesmo sentido:

8 - Se um homem roubou um boi, carneiro, asno, porco ou um barco, se pertencente ao deus ou ao palácio, restituirá o correspondente a trinta vezes; se pertencente a um súdito comum, a compensação será correspondente a dez vezes. Se incapaz de restituir, o ladrão será passível de morte. 

Aqui há uma pena alternativa, que seria a pena em pecunia. No texto, muskenum (súdito comum) seria uma classe social intermediária, abaixo do awilum (homem), mas acima do escravo. Ou seja, a lei era mais rigorosa se o roubo fosse de bens dos mais ricos. 

9 - Se um homem que perdeu um objeto o encontra em poder de um outro e este declara: “Foi vendido a mim por um vendedor e eu o comprei na presença de testemunhas”, e se o dono do objeto perdido declara: “Apresentarei testemunhas que identicarão meu objeto perdido”, o comprador apresentará o vendedor que lhe transmitiu o objeto e as testemunhas na presença das quais o comprou. O dono do objeto perdido encaminhará as testemunhas que conhecem o objeto. O juiz fará o exame das declarações deles. As testemunhas da compra tanto quanto as testemunhas que reconheceram o objeto perdido declararão diante da divindade1 o que é de seu conhecimento. O vendedor será comparado a um ladrão e passível de morte. O dono do objeto perdido retomará seu objeto, ao passo que o comprador receberá de volta a prata que serviu de pagamento do objeto na casa do vendedor. 

Bem complicado, mas a lei trata da receptação de objeto e a punição do envolvido. As leis seguintes (até a 13) tratam de situações derivadas do caso principal e ressalta a importância do contrato e testemunhas.  Há diversos outros itens sobre roubo e punições pesadas para o crime. 

48 - Se um homem está comprometido com uma dívida que envolve juros, tendo um temporal inundado seu campo e carregado sua colheita ou se, por falta  e água, o trigo não cresceu em seu campo, nesse ano ele não entregará trigo ao credor, molhará na água sua plaqueta, e não pagará o juro desse ano. 

Como os contratos eram feito em argila, ao molhar a água, o contrato poderia ser modificado. 

100 - O comissionado registrará os juros da prata proporcionalmente à quantidade que levou, computará seus dias e pagará ao negociante

A presença de juros significa o conhecimento do valor do dinheiro no tempo. Esse trecho tem problemas de compreensão e lacunas. 

102 - Se um negociante deu prata gratuitamente a um comissionado, e se este teve prejuízo onde esteve [no decurso de sua viagem], ele restituirá o capital em prata ao negociante.

Esse trecho apresenta a noção de capital e resultado, no caso prejuízo. Conforme destaca Bouzon, o texto depende do que compreendemos do termo "tadmiqtim" que parece ser um empréstimo sem juros, como um adiantamento de capital para uma viagem de negócios. A lei anterior usa o termo "samallum" que alguns traduzem como "agente" e outros como "comissionado", mas há diferentes interpretações. As normas seguintes são derivações da relação entre o agente e o dono do capital. 

123 - Se, na ausência de testemunhas e sem obrigações (estabelecidas) ele deu em custódia, e se onde deu for contestado, essa causa não dará ensejo a nenhuma demanda.

A garantia legal para uma custódia é a existência de testemunhas e um contrato. 

Em suma, apesar de não ser tecnicamente uma obra contábil, o Código mostra como a cultura da época lidava com os negócios, enfatizando a necessidade do registro contratual dos mesmos.