
A remuneração para cargos públicos é mais alta em relação ao PIB per capita quanto mais pobre é o país. Em outras palavras, os funcionários públicos são mais bem pagos em países pobres. A compensação excessiva no setor público em países de baixa e média renda distorce os mercados de trabalho em duas dimensões: filas (busca de renda para conquistar os cargos) e má alocação (talentos e impostos desviados do setor privado).
Em meus dois textos Massive Rent-Seeking in India’s Government Job Examination System e The Tragedy of India’s Government-Job Prep Towns, chamei atenção para a primeira dimensão, as perdas de busca de renda decorrentes das filas. Os jovens mais educados da Índia — justamente aqueles de que o país mais precisa na força de trabalho — muitas vezes dedicam anos de suas vidas decorando conteúdo para concursos públicos em vez de trabalharem produtivamente. Esses exames não cultivam habilidades práticas e cidades inteiras se especializaram na preparação para provas. Argumentei, usando um cálculo aproximado, que apenas as perdas decorrentes da busca de renda poderiam facilmente chegar a algo em torno de 1,4% do PIB ao ano. Mais tragicamente, um grande número de jovens educados acaba inevitavelmente desiludido. Por fim, como os salários são tão altos, o Estado não consegue ampliar o quadro de pessoal; a Índia possui todas as leis de um país rico, mas com cerca de um quinto dos servidores públicos per capita.
Dois artigos macroeconômicos quantificam a outra dimensão da perda: quem acaba em qual setor.Em The unintended consequences of meritocratic government hiring, Geromichalos e Kospentaris (GK) analisam as consequências dos salários excessivamente altos no setor público da Grécia. Já em (MIS)Allocation Effects of an Overpaid Public Sector, Cavalcanti e Santos estudam o caso do Brasil.
Ambos os trabalhos modelam a alocação de trabalho entre os setores público e privado e destacam o custo de atrair trabalhadores de alta produtividade para os cargos governamentais.
GK resumem seus resultados para a Grécia:
Em muitos países, os funcionários públicos desfrutam de considerável estabilidade no emprego e esquemas de remuneração generosos; como resultado, muitos trabalhadores talentosos optam por atuar no setor público, privando o setor privado de empregados potencialmente produtivos. Isso, por sua vez, reduz os incentivos das empresas para criar empregos, aumenta o desemprego e reduz o PIB… [Ao calibrar o modelo para a Grécia], constatamos que uma queda de 10% nos salários do setor público resulta em um aumento de 3,8% na produtividade do setor privado, uma queda de 7,3% no desemprego e um aumento de 1,3% no PIB.
CS relatam distorções semelhantes no Brasil:
Nossos exercícios contrafactuais demonstram que o prêmio salarial público-privado pode gerar efeitos importantes de alocação e perdas significativas de produtividade. Por exemplo, uma reforma que reduzisse o prêmio salarial público-privado de seu valor de referência de 19% para 15% e que alinharia a aposentadoria dos trabalhadores do setor público à vigente no setor privado poderia aumentar a produção agregada em 11,2% no longo prazo, sem qualquer redução na oferta de infraestrutura pública.
Curiosamente, no modelo de GK não há desperdício com busca de renda (rent-seeking), pois assume-se que os trabalhadores conseguem prever perfeitamente os resultados dos exames e se direcionam diretamente para o setor privado ou público. No meu modelo para a Índia, em contraste, o desperdício surge justamente dos anos de preparação infrutífera para os concursos. GK também concluem que reduzir o número de cargos públicos pode aumentar a eficiência, enquanto minha visão é que, na Índia, os altos salários tornam paradoxalmente o setor público pequeno demais (limitando, em certa medida, a má alocação). CS também se concentram na questão da alocação mas, ao contrário de GK, estimam que as perdas com rent-seeking são enormes — cerca de três vezes a minha estimativa conservadora:
O custo agregado das candidaturas a cargos públicos, que denominamos custo de rent-seeking, é elevado na economia de referência… aproximadamente 3,61% do produto.
Em Índia, Grécia e Brasil, a narrativa converge: pagar em excesso os funcionários públicos distorce a educação, a busca por empregos e a dinâmica das empresas. O desperdício se manifesta em esforços socialmente improdutivos voltados a ingressar na elite do funcionalismo, enquanto o setor privado é privado de talentos de ponta, tornando-se menos produtivo e crescendo mais lentamente. Em suma, rent-seeking e má alocação, decorrentes de uma remuneração governamental excessivamente generosa, geram grandes perdas macroeconômicas. Como a compensação relativa tende a ser maior quanto mais pobre é a economia, salários elevados no setor público podem se tornar uma armadilha de desenvolvimento.
Fonte: India, Greece, Brazil: How High Government Pay Wastes Talent and Drains Productivity - Alex Tabarrok
Imagem: Marajá