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21 agosto 2009

Maldição do Petróleo

MOISÉS NAÍM - Petróleo pode ser uma maldição

O PETRÓLEO é uma maldição. Gás natural, cobre e diamantes também fazem mal à saúde de um país. Daí deriva uma percepção tão poderosa quanto contrária ao que afirma a intuição: os países pobres, mas ricos em recursos naturais, tendem a ser subdesenvolvidos não a despeito de suas riquezas minerais e em hidrocarbonetos, mas por causa delas. De uma maneira ou outra, o petróleo -ou ouro, ou zinco- empobrece. É um fato no qual pode ser difícil acreditar, e exceções como Noruega e EUA servem muitas vezes para argumentar que petróleo e prosperidade são de fato capazes de caminhar juntos.
A raridade dessas exceções, no entanto, não apenas confirma a regra como demonstra o que é necessário para evitar as consequências geradoras de miséria da riqueza em recursos naturais: democracia, transparência e instituições públicas efetivas que respondam às necessidades dos cidadãos. Trata-se de precondições importantes para os aspectos mais técnicos da receita, entre os quais a necessidade de manter estabilidade macroeconômica, administrar com prudência as finanças públicas, investir no exterior parte dos lucros extraordinários que os recursos propiciam, estabelecer fundos de reserva, diversificar a economia e garantir que a moeda local não atinja cotação alta demais.
Tudo isso parece sensato, e, já que Brasil e alguns outros países parecem destinados a se tornar importantes produtores de petróleo, poderemos observar alguns raros casos que servirão como teste para essas recomendações.
Infelizmente, para a maioria dos países subdesenvolvidos, as defesas sugeridas acima são tão utópicas quanto a meta mais ampla que elas supostamente deveriam ajudar a atingir. Países que já apresentem todas essas instituições não precisam se preocupar com a maldição dos recursos naturais. Para os demais, como no caso de uma doença do sistema imunológico, a maldição solapa a capacidade da nação para erguer defesas contra o problema. Poder concentrado, corrupção e a capacidade do governo para ignorar as necessidades da população tornam difícil resistir à maldição.
De 1975 para cá, as economias dos países subdesenvolvidos e ricos em recursos naturais cresceram mais devagar que as de nações que não podiam depender da exportação de minerais e matérias-primas. Mesmo quando acontece crescimento alimentado pelos recursos naturais, ele raramente propicia os plenos benefícios sociais do crescimento.
Um traço comum entre as economias dependentes dos recursos naturais é que elas tendem a manter taxas de câmbio que estimulam as importações e inibem as exportações de quase tudo mais que não sua principal commodity.
Talvez ainda mais significativo, a maldição do petróleo estimula um cenário político insatisfatório. Porque governos de países como esses não precisam tributar a população para arrecadar receitas fiscais gigantescas, seus líderes podem simplesmente ignorar os contribuintes e não lhes prestar contas; já estes, de sua parte, muitas vezes mantêm um relacionamento tênue e parasitário com o Estado. Dada a sua capacidade de alocar grandes recursos financeiros de forma praticamente ilimitada, esses governos inevitavelmente se tornam corruptos.
Será que devemos perder toda a esperança com relação aos países ricos em recursos naturais? Não exatamente. Chile e Botsuana se destacam como histórias de sucesso em continentes em que a maldição dos recursos naturais causou sérios estragos. Como eles conseguiram se proteger continua a ser um mistério. Desvendar o segredo que lhes permitiu escapar à maldição dos recursos poderia livrar milhões do contato com o excremento do diabo. Mas ninguém o fez até agora.

MOISÉS NAÍM é editor-chefe da revista "Foreign Policy". Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times". Tradução de PAULO MIGLIACCI
Folha de São Paulo - 21/8/2009

17 junho 2008

Maldição dos Recursos Naturais

Esse assunto já foi objeto de blogs anteriores (aqui e aqui): ter recursos naturais pode não ser bom.

‘Maldição dos recursos naturais’ aflige exportadores de commodities
John Lyons, The Wall Street Journal
The Wall Street Journal Americas - 16/06/2008

Com a alta dos preços, seria de se esperar que os países que importam alimentos e petróleo estejam sofrendo. É só lembrar dos protestos no Haiti contra a inflação dos alimentos. Mas a alta também criou desafios complexos para os exportadores — países que deveriam estar comemorando.

Dos Emirados Árabes Unidos com seu petróleo à África do Sul, rica em minerais, os países exportadores lutam para conter a tensão social e resolver espinhosos dilemas políticos. A América Latina é um bom exemplo. Na Bolívia e na Argentina surgiram conflitos entre políticos e produtores sobre quem fica com o lucro das exportações. A inflação foi às alturas na Venezuela, rica em petróleo. A alta do real está prejudicando a indústria do Brasil, que também enfrenta a aceleração do desflorestamento na Amazônia, à medida que fazendeiros cortam a floresta para dar mais espaço à soja e ao gado.

Todas essas complicações revelam um fenômeno econômico curioso: períodos de boom das exportações também têm conseqüências negativas. Os economistas usam o termo “maldição dos recursos naturais” para identificar problemas que geralmente atormentam os exportadores de commodities, como moeda supervalorizada, má administração dos recursos e disputas pela receita obtida. A inflação está alimentando esses problemas e criando outros novos, com resultados imprevisíveis para essas sociedades.

“É muito difícil para um governo administrar um boom das exportações”, diz a cientista política Terry Lynn Karl, da Universidade de Stanford, que analisou o problema num livro de 1997 chamado “The Paradox of Plenty: Oil Booms and Petro-States” (“O Paradoxo da Fartura: Booms do Petróleo e Estados Petrolíferos”).

Períodos de alta são férteis para a geração de tensões sociais, por exemplo. A disparidade de renda aumenta porque raramente a riqueza é distribuída igualmente. Enquanto isso, os pobres são prejudicados pela alta do petróleo e dos alimentos.

No pior estágio, essa situação pode criar uma receita para violência. A desigualdade econômica é uma das maiores fontes de descontentamento que motivaram a onda de assassinatos de imigrantes em favelas da África do Sul, país que vem se beneficiando da exportação de seus minérios. Protestos violentos por aumentos de salários nos Emirados Árabes Unidos, ricos em petróleo e com a economia em crescimento, mostram como o fenômeno está atingindo o Oriente Médio.

Alguns governos sentem-se tentados a distribuir a riqueza através de maiores gastos. Mas até esse tiro pode sair pela culatra. A Venezuela aumentou os gastos sociais num ritmo acelerado, mas a maior parte dos benefícios foi anulada pela inflação de 31,4%. Enquanto isso, o orçamento inchado levou a ineficiência e corrupção.

Há também o exemplo da Argentina, o terceiro maior exportador mundial de soja. A presidente Cristina Kirchner aumentou os impostos sobre as exportações de soja para poder financiar um aumento dos gastos públicos. Os produtores reagiram com meses de protestos contra a elevação dos impostos.

As greves, que causaram desabastecimento de alimentos no início do ano, erodiram a confiança no governo Kirchner. Em maio, os argentinos de classe média sacaram quase US$ 2 bilhões da poupança para comprar dólares, num indício clássico de que já temem o pior.

Algo parecido está acontecendo na Bolívia. A alta dos preços inflamou uma rivalidade cultural entre a capital La Paz, nos Andes, e as baixas planícies aluviais do leste do país, que contam com terras férteis e as segundas maiores reservas de gás natural da América do Sul.

O presidente Evo Morales quer uma nova constituição para centralizar os royalties do gás natural em La Paz e obter o poder para redistribuir as terras entre seus partidiários, de maioria indígena e pobre. Uma por uma as províncias vêm declarando autonomia, numa sucessão de acontecimentos que alguns temem que levará a um violento conflito civil.

Mesmo assim, a alta das commodities alimentou o crescimento e permitiu que países como Rússia e Brasil pagassem dívidas e juntassem um bom colchão nas suas reservas.

Mas até mesmo os países mais estáveis enfrentam problemas políticos causados pelo boom. Um bom exemplo é o Brasil, o segundo maior exportador de soja do mundo e o primeiro na exportação de ferro, açúcar, café, carne e frango.

O Banco Central tentou conter a pressão inflacionária gerada pelo crescimento econômico acelerado com um aumento dos juros. Mas, ao fazer isso, o BC está fortalecendo ainda mais uma moeda que já se valorizou 45% perante o dólar desde 2004, em meio a um boom das exportações. A moeda forte está começando a danificar outros setores importantes da economia, como o industrial. A Empresa Brasileira de Aeronáutica SA, a quarta maior fabricante de aviões do mundo, anunciou que a margem bruta de lucro foi de 13% no primeiro trimestre, ante 19% no mesmo período um ano antes, por causa da valorização do real, que aumentou seus custos de produção em dólares.

29 março 2011

A benção das matérias- primas

Um bom texto publicado no Valor, baseado no artigo de Heber e Menaldo,afirma que a maldição dos recursos naturais não é tão importante para determinadas regiões da América Latina.

Um dos tópicos mais arraigados no pensamento econômico das últimas décadas foi a maldição das matérias-primas.[1] Nos países em desenvolvimento, ter petróleo, minerais ou produtos agrícolas era sinônimo de corrupção econômica e autoritarismo político, desperdícios e saques, guerras civis e golpes de Estado frequentes. É possível que precisemos revisar drasticamente essa suposta lei da maldição das matérias-primas, muito especialmente, quando a aplicamos a determinadas regiões da América Latina.

Nações com enormes recursos naturais, como Nigéria, Angola, Gabão, Bolívia e Venezuela, têm boa parte de suas populações vivendo abaixo da linha da pobreza ou mesmo da extrema pobreza. Muitos outros, como Arábia Saudita, Líbia, Irã, Sudão e até Rússia, não se destacam por serem democracias exemplares. Em ambos os casos, no entanto, também é possível dizer o mesmo de muitos países que carecem de recursos naturais. Em outras palavras, não há maldição "per se", por si só, das matérias-primas. Seria mais o contrário, em muitos casos (em particular na América Latina).

Stephen Haber e Víctor Menaldo descobriram que os incrementos da dependência em matérias-primas não levaram, na América Latina, a democracias sistematicamente mais fracas nem mesmo impediram processos de democratização. Ao contrário, seria mais o caso de falar em uma benção disfarçada (e não uma maldição) das matérias-primas: desde 1800 o aumento das receitas derivadas das matérias-primas veio associado a uma maior democracia.

No âmbito econômico, o que importa, no fim das contas, é a capacidade dos Estados e empresas de um país de dar saltos produtivos, ou seja, empreender uma diversificação mais além das matérias-primas. O que importa, no fim das contas, é o que se faz ou se deixa de fazer com essa abundância. A comparação entre Noruega e Venezuela ilustra isso: há mais de meio século, os dois países ostentavam níveis de desenvolvimento comparáveis. Hoje, Noruega e Venezuela, ambos países com petróleo, apresentam caminhos de desenvolvimento drasticamente opostos. Um não deixou de se enriquecer, enquanto o outro, de empobrecer. Embora a Noruega hoje consiga exportar sete vezes mais petróleo por habitante que a Venezuela, o petróleo bruto representa apenas 35% do total de suas exportações (no caso da Venezuela, a porcentagem é superior a 85%). A Noruega conseguiu saltos produtivos, diversificar[1] sua capacidade e suas empresas e construir colossos mundiais nas indústrias de petroleiros, de explosivos e sísmica. Suas riquezas permitiram-lhe empreender uma corrida em direção à inovação e diversificação. No seu caso, o ouro negro não foi uma maldição, ao contrário. Esse tipo de salto também foi dado pela Finlândia, país rico em madeira, que conseguiu produzir uma fortaleza tecnológica como a Nokia a partir da indústria madeireira.

Não há motivos para os países da América Latina não darem esses saltos, a não ser eles próprios. O Brasil mostra isso com sua agroindústria[1].

[2]Em relaçao a situação do Brasil, ainda tenho medo que o país se torne mais Venezuela do que Noruega. Como já foi dito neste blog:as decisões recentes de usar o dinheiro do pré-sal para capitalizar empresas estatais, indicam que o país ainda não evitou a maldição dos recursos naturais. Apesar da visão otimista de alguns. Ainda, existe uma má uma utilização desses recursos, atrapalhando o direcionamento do Brasil para o caminho da Finlândia ou Noruega, que além de buscarem inovação e diversificação de sua economia priorizaram, principalmente,invetimentos em capital humano.Para concluir é interessante ler o artigo de Demétrio Magnoli : A maldição do pré-sal.

26 janeiro 2010

As desvantagens do Petróleo

Será que "existe" a maldição dos recursos? Esta coluna apresenta novas evidências para o Brasil. Os municípios que tiveram descobertas inesperadas de petróleo registraram um aumento significativo nos gastos com infra-estrutura, educação, saúde e transferências para as famílias. No entanto, (...) grande parte do dinheiro vai faltar.

Fonte, aqui

A maldição dos recursos naturais diz respeito a constatação prática de que países que possuem um grande volume de recursos naturais (petróleo, por exemplo) são penalizados no seu futuro econômico. Observe o caso da Nigéria (petróleo), Brasil (ouro no século XVIII) ou Bolívia (prata).

Em economia é conhecido como Doença Holandesa e refere-se a um modelo desenvolvido em 1982 para tentar explicar a relação entre exploração dos recursos naturais e a indústria. Neste caso, um aumento na receita decorrente da exportação de recursos naturais reduz os incentivos para o processo de industrialização em razão da valorização cambial.

14 setembro 2010

Maldição dos recursos naturais

A "maldição das commodities" -teoria que aponta a abundância de matérias-primas como fator adverso ao crescimento econômico- é um risco para a América Latina, mas pode ser evitada.

A conclusão é de estudo lançado ontem pelo Banco Mundial, em São Paulo.

A recente volatilidade nos preços das commodities [1] e o elevado volume de exportação de itens básicos pelo Brasil têm sido apontados como algumas das razões para a apreciação cambial e o consequente aumento das importações de manufaturas.

Esse cenário gera o temor de ocorrência da doença holandesa no país -teoria que aponta a valorização da moeda local como fator inibidor à produção de produtos industrializados, devido ao aumento das importações. [2]

No entanto, o economista principal do Banco Mundial e coautor do estudo, John Nash, aponta o Brasil como um bom exemplo de país de vocação agrícola que tem conseguido diversificar a sua atividade econômica.

"Na década de 60, o café representava 53% da pauta de exportações brasileira. Em 2006, o minério de ferro era a principal commodity da cesta de exportações do Brasil e equivalia a 7% do total", afirmou Nash.

"Na Venezuela, aconteceu o oposto. Houve um processo de concentração", acrescentou. Em 1962, o petróleo respondia por 67% das vendas externas. Em 2006, esse percentual saltou para 92%. [3]

Segundo ele, a diversificação ajuda a atenuar a influência da volatilidade das commodities -que aumentou na última década devido à maior demanda dos emergentes- no câmbio.

Por essa razão, a diversificação da atividade econômica, ainda que mais limitada ao setor primário, é apontada pelo Banco Mundial como caminho para transformar a "maldição" em "benção".

LIÇÃO DE CASA

Em "Recursos Naturais na América Latina", o Banco Mundial aponta a necessidade de formação de uma poupança de longo prazo para converter parte da renda obtida com recursos naturais em outras formas de capital. [4]

Outra prática relevante é a formação de fundos de estabilização, para gerar uma poupança para gerações futuras e juntar recursos que possam suavizar períodos de volatilidade de preços.

O modelo seria semelhante ao fundo do pré-sal que está sendo criado no Brasil.

A última tarefa recomendada pelo banco para evitar a "maldição das commodities" é a garantia de instituições sólidas e independentes.

Segundo Francisco Ferreira, economista do Bird, pressões políticas e econômicas para que a renda com as commodities seja gasta rapidamente prejudicam os países latinos-americanos que se destacam na área.


Brasil evita maldição das commodities - 14 Set 2010 - Folha de São Paulo - Tatiana Freitas

[1] Este blog já postou vários comentários sobre o assunto. Entretanto esta visão otimista da situação brasileira deve ser considerada com cautela. A própria elevada volatilidade induz a isto.
[2] Os sintomas indicam cautela em afirmar que o país evitou a maldição.
[3] A questão do petróleo é um caso típico. Vide aqui. Sobre a Venezuela, aqui outra postagem.
[4] As decisões recentes da área econômica do governo, de usar o dinheiro para capitalizar empresas estatais, indicam o oposto.

21 novembro 2007

A maldição dos recursos naturais

A recente descoberta de petróleo no Brasil torna o texto Resource Abundance and Corporate Transparency, de Art Durnev e Sergei Guriev, interessante (aqui link).

Tradicionalmente a abundância de recursos naturais pode comprometer o desenvolvimento econômico de uma país no longo prazo. A riqueza fácil pode reduzir os incentivos para o crescimento de outros setores, inclusive o industrial. A pesquisa de Durnev e Guriev é inovadora, na minha opinião, por mostrar um outro lado negativo desta questão: a redução da transparência corporativa.

Durnev e Guriev lembra a Primeira Lei da Petropolítica: o preço elevado do barril inibe a democracia, a liberdade econômica e a liberdade política nos países ricos em petróleo. Com efeito, nos últimos anos os países ricos em petróleo aumentaram o controle sobre a imprensa (vide o exemplo da Rússia e Venezuela). Isto já foi provado por outros trabalhos. Usando dados microeconômicos, Durnev e Guriev mostraram o efeito dos recursos naturais no direito de propriedade e na transparência das empresas!

O argumento dos autores é o seguinte: Durante os períodos de preços altos, o lucro das empresas obtido com recursos naturais são fáceis de serem confiscados pelo governo. Estas empresas possuem o seguinte dilema: precisam atrair capital externo (e com isto serem transparentes), mas por outro lado a transparência atrai a cobiça dos políticos para o confisco (seja sob a forma de suborno, impostos ou tomada de ativos). Ou seja, a transparência torna a indústria mais vulnerável para a confisco, principalmente em países onde o direito de propriedade é fraco.

Um exemplo citado pelos autores é o caso da Yukos, mas podemos também analisar os acontecimentos da Bolívia e Petrobrás recentemente sob esta ótica.

Os efeitos podem ser percebidos no setor de petróleo, onde a transparência é menor, o que afeta a alocação de capital.

Clique aqui para Download da pesquisa dos autores

03 julho 2012

Maldição dos Recursos Naturais

Já comentamos no blog a denominada "maldição dos recursos naturais" (por exemplo, aqui, aqui, aqui e aqui). A presença de riqueza, como petróleo e minério de ferro, não é garantia de desenvolvimento. Pelo contrário, a riqueza "fácil" desestimula os agentes a buscarem mais educação e trabalho, que possam garantir um bem estar social no longo prazo. Eis um exemplo típico disto:

O município de Coari [na Amazônia], onde fica a maior base de produção da Petrobras, também se vale dos royalties e tributos oriundos do petróleo. Por isso, tem o segundo maior PIB per capita do Amazonas. Só fica atrás de Manaus. Ali, no meio do nada, alcança R$ 16,4 mil, quase o triplo da renda por habitante das cidades vizinhas de Tefé e Carauari.

O problema é que a irradiação da riqueza funciona bem no papel. Na vida real, Coari parece nunca ter visto a cor de uma gota do ouro negro. A cidade é uma fonte tão profícua de hidrocarbonetos como de escândalos. No fim de 2011, a frota de 46 veículos da administração local foi apreendida judicialmente por falta de pagamento. Os salários do funcionalismo, a maior fonte de empregos do município, atrasam até quatro meses. Essa disparidade entre o potencial dos royalties e seus efeitos práticos na vida das populações não é privilégio do município amazonense. É comum nas cidades fluminenses sob a influência da bacia de Campos. Estudado por cientistas, o fenômeno foi batizado de paradoxo da abundância.


A floresta e o petróleo - 26 de Junho de 2012 - Época Negócios - CARLOS RYDLEWSKI

16 novembro 2009

Caixa e Crise

Trauma da crise faz empresas engordar o caixa
Tom McGinty e Cari Tuna, The Wall Street Journal
4/11/2009 - The Wall Street Journal Americas

Escaldadas pela crise financeira, as empresas americanas começaram a manter mais dinheiro em caixa — e uma porcentagem maior dos ativos em dinheiro — do que em qualquer outro momento nos últimos 40 anos.

No segundo trimestre, as 500 maiores empresas não-financeiras dos Estados Unidos em ativos tinham US$ 994 bilhões em dinheiro e investimentos de curto prazo, ou 9,8% de seus ativos, segundo análise feita pelo Wall Street Journal com base em informes financeiros. Um ano atrás, esse número era US$ 856 bilhões, ou 7,9% dos ativos.

Essa tendência aparentemente continuou no terceiro trimestre, apesar da melhora na economia. Dessas 500 empresas, 248 já divulgaram os resultados do terceiro trimestre. O caixa delas aumentou para 11,1% dos ativos, ante 10,1% no segundo trimestre. Empresas tão diversas como Alcoa Inc., Google Inc, PepsiCo Inc. e Texas Instruments Inc. já divulgaram alta no caixa disponível no terceiro trimestre.

“Todo mundo está acumulando caixa”, diz Carsten Stendevad, que chefia o grupo de estratégia financeira do Citigroup Inc. Ele e outros consideram isso como uma ressaca da crise financeira de um ano atrás, quando as empresas não conseguiam levantar recursos ou tinham de pagar muito mais do que o habitual.

O saldo polpudo em caixa é tanto uma maldição para a economia quanto uma possível bênção. Tanta reserva indica que as empresas estão gastando e investindo menos, impedindo o crescimento da economia. Mas também as deixa com mais caixa para gastar quando a economia melhorar, facilitando aquisições, o reaquecimento das contratações e novas despesas de capital.

Caixas gordos “são ótimos para a macroeconomia”, diz Stendevad. “Muitas firmas estão agora numa posição (...) em que podem se reinventar e, no fim das contas, isso é que vai impulsionar o emprego.”

Numa reação à crise financeira do ano passado, os executivos aumentaram as reservas de emergência para garantir que haveria caixa para cobrir as operações do dia-a-dia. Cortes agressivos nos custos e o boom recente de emissão de títulos de dívida também ajudaram a rechear o caixa.

Muitas empresas ainda não têm planos para esses recursos, além de garantir uma certa segurança. “Eles teriam de me espancar na cabeça para tirar isso de minhas mãos”, diz Charles McLane, diretor financeiro da Alcoa.

A produtora de alumínio divulgou que detém US$ 1,1 bilhão em dinheiro e ativos líquidos em 30 de setembro, 28% a mais que há um ano. Com a queda da receita este ano, a Alcoa cortou dividendos, gastos e mais de 15.000 empregos para economizar. A Alcoa também divulgou lucro no terceiro trimestre, mas McLane continua cauteloso. “Seremos extremamente prudentes na administração dos recursos”, diz ele.

Algumas empresas já estudam investimentos ou aquisições. A fabricante de microchips Texas Instruments comprou duas empresas menores este ano, além de equipamentos de um concorrente falido. Ela divulgou caixa de US$ 2,8 bilhões em dinheiro e investimentos de curto prazo em 30 de setembro, 42% a mais que há um ano, apesar do declínio de 26% na receita dos nove meses encerrados em 30 de setembro em relação a um ano antes.
O diretor financeiro, Kevin March, diz que os executivos decidiram há um ano juntar dinheiro para aproveitar as oportunidades para comprar barato capacidade industrial, tecnologia e outros ativos. Agora, diz ele, a Texas Instruments pode “agir muito rapidamente” para fechar acordos e manter suas reservas num nível elevado.

A montanha de dinheiro economizada pelas empresas americanas acelerou uma tendência que já vinha tomando forma nos últimos vinte anos. No segundo trimestre de 1991, as 500 maiores empresas não-financeiras dos EUA tinham 3,9% dos ativos em dinheiro, segundo análise feita pelo WSJ nos informes financeiros compilados pela Capital IQ, filial da Standard & Poor’s. Esse total subiu continuamente até chegar a 9,2% em meados de 2004.

Rene Stulz, professor de finanças da escola de administração da Universidade Estadual de Ohio, diz que as empresas aumentaram o caixa porque a globalização e as mudanças tecnológicas as deixaram mais expostas aos riscos. “As firmas se tornaram mais arriscadas do que eram, então passaram a precisar de um colchão maior”, diz ele. Elas estão mantendo mais ativos em dinheiro do que em qualquer momento desde os anos 60, quando a automatização dos pagamentos reduziu a necessidade de manter dinheiro vivo para financiar as operações diárias, diz ele.

Kathleen Kahle, professora da escola de administração da Universidade da Geórgia, dá outro motivo: o crescimento das empresas de alta tecnologia, que tendem a manter reservas substanciais. Empresas novas e mais arriscadas têm mais dificuldade para levantar recursos quando o crédito está apertado, então mantêm mais liquidez, diz ela. “Ao mesmo tempo, elas tiveram várias oportunidades de crescimento e querem garantir que têm os recursos necessários para investir em bons projetos”, acrescenta.

13 janeiro 2019

Um novo ciclo de maldição dos recursos naturais?

Ribamar de Oliveira, na sua coluna de quinta do Valor Econômico, chama a atenção para uma projeção feita pela ANP da geração futura (em 2030) de uma receita derivada do petróleo de 300 bilhões de reais. Ou seja, haverá um novo ciclo de geração de royalties. Atualmente estas receitas seriam de 60 bilhões. A estimativa decorre de uma produção de 7,5 bilhões de barris dia em 2030 (versus 2,5 bilhões atuais) em razão dos recentes leilões.

Oliveira pede urgência nas reformas estruturais necessárias para que a economia possa aproveitar este novo ciclo, incluindo a reforma da previdência.

Entretanto, a notícia é ruim por três motivos. Em primeiro lugar, existe a maldição dos recursos naturais, já constatada em diversas pesquisas (por exemplo, aqui). Em segundo lugar, a divulgação ampla da notícia pode fazer com que os nobres representantes posterguem suas decisões inadequadas. Finalmente, a redução de custos de fontes de energia renováveis e a pressão pela troca do petróleo pode reduzir o consumo de petróleo.

13 agosto 2010

Royalties do Petróleo


Municípios produtores de petróleo e gás do Espírito Santo estão sendo incentivados pelo Ministério Público do Estado a criar regras para utilização dos royalties.

No final de julho, o órgão apresentou aos prefeitos e presidente das Câmaras Municipais das 15 cidades produtoras uma sugestão de projeto de lei que prevê o uso do dinheiro em programas de desenvolvimento social, ambiental e econômico.

A proposta é o resultado de cinco anos de pesquisa feitas pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público nos municípios produtores, em que foram mapeadas as necessidades da população e estudados.

O projeto de lei sugerido veta o uso dos royalties para pagamento de dívidas e gastos com pessoal e custeio. Ele propõe a criação de conselhos de Petróleo e Gás, para fazer a fiscalização do uso dos recursos.

Foi proposto também a criação, na contabilidade municipal, de um elemento de despesa único para os royalties, o que dá mais transparência para os gastos.

O Ministério Público propõe também a criação pelos municípios de fundos de reserva, que só poderão ser movimentados com o declínio da exploração petrolífera na região. A projeção é que isso ocorra em 20 ou 30 anos.

Caberá às Câmaras aprovarem ou não a minuta apresentada pela Procuradoria.

A gerente de estudo e pesquisa do centro, Maria do Carmo Varella Serpa, disse que o objetivo é evitar que o dinheiro dos royalties "vá embora".

Estudo feito com base em pesquisas acadêmicas e de órgãos internacionais identificou diversos problemas ambientais, sociais e culturais decorrentes da exploração do petróleo que podem ser minimizados. Serpa cita como exemplo o aumento populacional e de trabalhadores de qualificação, concentração de riquezas e degradação ambiental.

Segundo ela, as prefeituras e Câmaras estão receptivas ao projeto de lei. Houve interesse também de Ministérios Públicos de outros Estados produtores.

A reportagem não conseguiu falar com representantes dos municípios.


Ministério Público quer disciplinar gastos com royalties no ES - Sílvia Freire -
FolhaNews - 12 ago 2010

Este blog já comentou anteriormente sobre a maldição do petróleo (ou maldição dos recursos naturais).

29 janeiro 2019

LRF e a falência dos Estados

Segundo informação do Valor Econômico, nove estados brasileiros não cumpriram o teto de gastos em 2018. Esta é uma estimativa, já que a informação definitiva deverá ser entregue em março. Uma consequência prática é que estas unidades devem devolver o que deixou de pagar para a União.

Segundo o governo federal, a regra de recuperação fiscal destes estados não será flexibilizada e a decretação de calamidade financeira não muda em nada este ambiente.

A constatação é que a Lei de Responsabilidade Fiscal não foi suficiente para impedir este problema. Ou melhor explicando, a lei é boa, o problema foi sua execução ao longo do tempo. A coluna semanal de Ribamar de Oliveira no Valor, de 24 de janeiro, segue esta linha: o problema não é a LRF, mas sua execução. Os tribunais de contas começaram a legislar e afrouxar a lei, permitindo casos não previstos na lei: retirada dos gastos de inativos e pensionistas é um exemplo. A doutoranda Selene Peres Nunes existiriam duas razões para o problema: (1) os ajustes dos tribunais no entendimento da lei, que muitas vezes os beneficia; (2) a existência de vínculos políticos nos cargos de conselheiros, deixando o aspecto técnico de lado. Estes artifícios terminam por dificultar a punição dos responsáveis pelo descumprimento da lei.

Talvez exista uma terceira explicação: a maldição dos recursos naturais. Isto geralmente ocorre quando um estado ou município é premiado por um recurso natural. É o caso da descoberta de petróleo e os royalties decorrentes. O prêmio se torna uma maldição, já que muitos municípios e estados deixam de investir em fontes alternativas de receita e inicia gastos inadequados em razão da grande quantidade de dinheiro. Com o tempo, o recurso natural inibe boas decisões por parte dos governantes. A tese de José Lúcio Tozetti mostra justamente isto.

Para finalizar, gostaria de colocar aqui uma citação, defendendo os tribunais de contas:

Esta instituição [o tribunal de contas], tão util em todos os tempos, se-lo-ha ainda mais hoje, por exigir mais do que nunca o estado de nossas finanças a maior severidade na observancia das gregras da contabilidade, e a mais restricta ordem na manutenção dos dinheiros publicos. 

Onde? Quando? A frase acima diz respeito ao Brasil. Publicada no O Commercial, de 22 de fevereiro de 1850 (p. 22, ed 33).

13 janeiro 2015

Maldição dos Recursos Naturais

A redução do preço do barril irá provocar uma redução nas transferências dos recursos dos royalties do petróleo:

O governo do estado do Rio de Janeiro está estudando um plano para ajudar municípios que perderão parte de sua arrecadação por causa da queda do preço do barril do petróleo.

Se ocorrer um aumento substancial de repente haverá um plano para distribuir os recursos adicionais?

18 janeiro 2010

Maldição do Petróleo

A Venezuela é o exemplo da chamada maldição do petróleo. Ao longo da sua história o país tem convivido com crises econômicas e sociais provocadas por essa maldição, e a crise atual é mais uma.

Após a 1ª Guerra Mundial, várias empresas estrangeiras iniciaram atividades exploratórias na região do Lago de Maracaibo. A atividade se intensificou e as exportações de petróleo do país cresceram rapidamente. O primeiro embate entre o Estado venezuelano e as petroleiras ocorreu em 1943, com a promulgação de uma lei que não apenas padronizou os tributos e os royalties pagos pelas empresas, mas também elevou os seus valores de um máximo de 15% - passaram para um mínimo de 16,66% da produção.

Na segunda metade da década de 50, tiveram início na Venezuela os primeiros movimentos para que o Estado tivesse uma participação maior na indústria petrolífera. O governo suspendeu novas concessões às companhias estrangeiras e criou a empresa pública Corporación Venezolana del Petróleo (CVP) em 1960. No mesmo ano a Venezuela se tornou membro fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Na década de 70, diante da disparada dos preços do petróleo, a Venezuela embarcou no movimento mundial de vários países exportadores de petróleo e nacionalizou a sua indústria petrolífera. Em maio de 1974 o presidente Carlos Pérez encaminhou proposta de nacionalização cujo efeito prático ocorreu em janeiro de 1976. Neste processo, o governo criou a PDVSA, como controladora de quatro empresas subsidiárias formadas a partir da estatal CVP e das 14 companhias de petróleo estrangeiras que operavam no país.

O monopólio da PDVSA perdurou até o início da década de 90, quando, no rastro da queda dos preços do petróleo, o país se defrontou com uma crise econômica. Diante da queda da receita petrolífera, o Estado desenvolveu uma iniciativa conhecida como a apertura petrolera, que possibilitou atrair as petroleiras estrangeiras de volta ao país. No final da década de 90, quase 60 empresas estrangeiras de 14 países atuavam na Venezuela, entre elas majors como BP, Chevron, Conoco, Eni, ExxonMobil e Total. A produção de petróleo voltou a crescer e atingiu 3,5 milhões de barris/dia em 1998, retornando aos níveis do início da década de 70.

Em 1999 houve uma nova reviravolta no setor de petróleo venezuelano, com a chegada de Hugo Chávez à presidência. Em 2001 o governo venezuelano revogou o regime regulatório então vigente e, em 2002, uma nova lei aumentou a participação governamental, estabelecendo que os novos projetos fossem estruturados sob a forma de empresas mistas em que a PDVSA detivesse participação majoritária.

As mudanças introduzidas pela nova lei enfrentaram forte barreira dos quadros da PDVSA. Quase metade dos funcionários da estatal entrou em greve no fim de 2002. Em resposta, o governo demitiu cerca de 18 mil funcionários, o que minou significativamente a memória técnica da empresa. Para piorar, na substituição dos demitidos, o governo aparelhou politicamente a estatal, com consequente perda de sua eficiência.

Um novo movimento para aumentar a participação do Estado venezuelano ocorreu em 2007, quando o presidente Chávez decidiu estender o processo de conversão em empresas mistas para as quatro associações estratégicas existentes e também para os convênios de exploração. Essa medida, batizada pelo governo de “nacionalização do Orinoco”, fez parte de um extenso plano de nacionalização, que incluiu também os setores de telecomunicações e de energia elétrica.

Mas a nacionalização na Venezuela não se restringiu apenas às empresas petrolíferas atuando em exploração e produção (E&P). Em maio de 2009 o governo Chávez estatizou dezenas de empresas prestadoras de serviços petrolíferos. Em decorrência dessa ação, cerca de 8 mil trabalhadores ingressaram na folha salarial da endividada PDVSA. Embora não declarado pelo governo, o objetivo dessa medida foi aumentar as fontes de recursos para os programas sociais, com a economia de US$ 700 milhões por ano em razão da suspensão de pagamentos às empresas estatizadas.

As medidas adotadas pelo governo de Chávez tiveram impacto direto sobre a produção de petróleo do país. Desde a sua eleição em 1999, a produção da Venezuela vem sofrendo um significativo declínio, alcançando em 2009 níveis semelhantes aos do início da década de 90.

Em 30 de novembro de 2009, a PDVSA disponibilizou para as petroleiras interessadas os termos da oferta para a exploração e produção de petróleo em sete blocos de Carabobo, na Faixa Petrolífera do Orinoco, cujas reservas de petróleo extrapesado são estimadas em 235 bilhões de barris. Essa será a primeira licitação para exploração de petróleo em quase dez anos no país.

Mais uma vez a Venezuela tenta atrair empresas estrangeiras num momento de grave crise econômica, que traz ameaça à popularidade do atual governo. Além da inflação crescente, há um total desabastecimento de produtos básicos nos supermercados - situação provocada pela decisão do governo de tabelar preços a fim de conter o seu aumento. Some-se a isso ainda a atual estiagem que assola o país, o que levou o governo a impor um racionamento de água e de energia elétrica.

Por causa da estreita relação existente entre petróleo e política na Venezuela, o país não consegue se livrar da maldição do petróleo. São poucos os exemplos de países em desenvolvimento com grandes excedentes de petróleo que escaparam a essa maldição. É ainda menor o número de países que se desenvolveram com base unicamente na produção de recursos naturais. Fica a lição venezuelana para o Brasil, que, com a descoberta do pré-sal, de maneira açodada, pretende mudar o atual marco regulatório.


A Venezuela e a maldição do petróleo
Adriano Pires
O Estado de São Paulo - 18/1/2010

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12 fevereiro 2010

Maldição do Ganhador

A maldição do ganhador é conceito interessante e já foi inclusive tema de livro de Richard Thaler, um dos mais renomados cientistas da área financeira e influente pensador na área de finanças comportamentais. Para entender o conceito, faço uma longa citação do livro de Tim Harford:

Um exemplo conhecido é a “maldição do ganhador”. A maldição decorre de uma característica dos leilões: você só ganha quando os outros interessados acham que você está fazendo um lance muito alto. Posso invocar a maldição e produzir comportamentos desordenados oferecendo em leilão um pote de moedas. Se eu pedir a várias pessoas que estimem o valor total das moedas no pote, provavelmente terei uma resposta bastante precisa. Apesar disso, se eu fizer um leilão do valor das moedas no pote, oferecendo emitir ao vencedor um cheque no valor que for, é quase certo que farei um bom negócio, porque pelo menos um interessado será muito otimista. É a “maldição do ganhador” em ação.

Isso ocorre não porque o leilão produza algum tipo de comportamento psicológico excêntrico, mas sim porque, enquanto a pesquisa com as pessoas nos dá uma estimativa média do valor das moedas, o leilão não produz essa média. Ao contrário, o leilão seleciona automaticamente o maior lance; quanto mais extravagante, melhor. A pesquisa revela aquilo que James Surowiecki, colunista do New Yorker, chama de “sabedoria das multidões”. O leilão, por sua vez, revela o maior dos tolos

HARFORD, Tim. A lógica da vida. Rio de Janeiro, Record, 2009, p. 71-72

A questão da maldição do ganhador é interessante no setor público brasileiro por duas razões principais. A primeira diz respeito ao processo de privatização e a segunda a sistema de compras.

Vamos começar com a privatização. O governo ao promover a privatização das suas empresas está redirecionando seus esforços para áreas que ele entende serem mais relevantes. Assim, em lugar de concentrar na produção de minério, o governo aloca recursos em escolas, por exemplo. Uma das maiores críticas ao processo de privatização promovido na década de noventa do século passado é que as empresas foram vendidas por um preço baixo. A leitura do texto de Tim Harford dá a entender que esta crítica não procede, pois sendo um processo de leilão, o vencedor foi o maior dos tolos.

Mas isto só é verdadeiro quando o processo garante um número razoável de participantes ou pelo menos a possibilidade de que este número seja elevado. Em geral, quando o número de participantes é elevado, aumenta a chance de aparecer um grande tolo. Entretanto, existe aqui um trade-off, pois o governo precisa, de certa forma, garantir que o vencedor tenha realmente condições de absorver a empresa privatizada, o que por si conduz a regras de restringem o aumento no número de participantes.

O sistema de compras possui também um tipo de leilão, sendo o objetivo obter o menor preço. Novamente aqui temos uma grande vantagem, que é reduzir os gastos públicos. Entretanto, o sistema precisa garantir que as empresas que participem possuam um grau mínimo de qualidade; além disto, o risco não pode ser grande, pois isto conduziria a repetição do processo de leilão. Em alguns casos, as empresas que participam terminam por desistir do processo, trazendo prejuízos para a área pública.

06 fevereiro 2020

Guiana e os recursos minerais

É a maldição dos recursos naturais. A Guiana, um país que fica ao norte do Brasil, teve a sorte de descobrir petróleo no alto mar, em um bloco chamado Stabroek. Em junho de 2016, o país fez uma negociação, em que irá receber 52% das receitas provenientes desta exploração. Tradicionalmente, um acordo como este envolve percentual entre 65 a 85%.

De qualquer forma, a participação de 52% significa 168 bilhões de dólares. Mas poderia render 223 bilhões se o percentual fosse de 69%, um valor “mais justo”, segundo um grupo de políticas públicas chamado OpenOil. Isto corresponde a 1,3 bilhão a mais por ano. Como o PIB do país é de 3,7 bilhões, somente esta diferença será muito expressiva.

Segundo a entidade que divulgou estas informações, o que ocorreu é que os governantes, incluindo o ministro de recursos minerais, recusou a escutar os especialistas. Como o país terá nos próximos dias eleições, o relatório do Global Witness, que divulgou as informações, foi classificado como político. Mas é interessante notar que mesmo a oposição é contra qualquer renegociação da licença de Stabroek. Como a Venezuela reivindica parte do território da Guiana, o acordo inclui, segundo o ministro de recursos minerais, “alguma segurança e estabilidade para a área”.

10 junho 2008

A maldição dos Recursos Naturais

Em postagem anterior comentei a maldição de um país ter uma grande fonte de riqueza em termos de recursos naturais e isso gerar uma maldição, sob a forma de guerra civil, abandono de outros setores e corrupção. Em geração, existiria uma relação inversa entre petróleo e democracia. Em Questioning the Link Between Commodity Wealth and Oppression mostra uma outra pesquisa, de Stephen Haber e Victor Menaldo, que não encontraram nenhuma evidencia de que uma riqueza em termos de um produto primário ameaça a democracia. As evidências seriam o Chile e o México, que se tornaram democracias depois da descoberta de cobre e petróleo.

30 março 2010

Transferência Federal e Corrupção

Transferência federal gera corrupção, diz pesquisa
FERNANDO DANTAS Agencia Estado - 29/3/2010

A corrupção nos municípios brasileiros, que já é alta, sofre um forte impacto para cima quando as transferências federais aumentam. O que sempre foi uma crença intuitiva para muitas pessoas agora foi demonstrado estatisticamente, sendo medido de forma precisa em um trabalho de quatro economistas da Universidade Bocconi, de Milão, incluindo a brasileira Fernanda Brollo.

De acordo com o estudo, chamado de "A Maldição dos Recursos Políticos", um aumento de 10% nas transferências federais para os municípios brasileiros provoca uma alta da incidência de corrupção "em sentido amplo" de 12 pontos porcentuais. Mais especificamente, o porcentual de prefeitos que tiveram pelo menos um caso de corrupção saltaria de 71% para 83%, dentro de uma amostra de 606 gestões municipais aleatoriamente selecionadas para serem fiscalizadas no programa "Fiscalização de Recursos Federais a partir de Sorteios Públicos", da Controladoria-Geral da União (CGU).

O trabalho também mostra que o número de prefeituras com pelo menos um caso de corrupção em sentido estrito (mais grave), que corresponde a 42%, saltaria para 51,1% caso as transferências subissem 10%. Também haveria uma alta de 26% no número médio de casos de corrupção estrita por município. Naquela amostra, há 7,3 casos para cada 10 municípios, e o número subiria para 9,2 para cada 10.

Na definição dos autores, a corrupção em sentido amplo inclui, além das ocorrências mais graves, práticas que podem às vezes ser interpretadas como má gestão, tais como o não cumprimento de todos os requisitos e as etapas de uma licitação ou a incapacidade de comprovação de todas as despesas. A corrupção "estrita", mais grave, é composta por práticas fortemente ilegais de licitação, fraudes, favoritismo e superfaturamento.

05 dezembro 2020

Privatização da CEB

Esta semana ocorreu a privatização da CEB-Distribuidora. Em 2017, publiquei, em co-autoria com Amanda Schmidt, um artigo com o seguinte resumo:

Esta pesquisa tem como propósito demonstrar como a ferramenta de avaliação de empresas, pelo método do fluxo de caixa descontado, pode ser utilizada com a finalidade de avaliar a qualidade dos gastos públicos realizados sob a forma de investimentos em empresas estatais. A pesquisa consistiu em um estudo de caso de uma empresa brasileira do setor de energia elétrica, a CEB Distribuição S.A., subsidiária integral de uma sociedade de economia mista. O valor da empresa foi calculado com base em premissas determinadas a partir da análise do desempenho histórico da entidade e projeções macroeconômicas obtidas de outras fontes. Ressalta-se que foram utilizadas somente informações disponíveis ao público. O valor obtido como resultado indica que a entidade analisada não está gerando o retorno financeiro desejável em vista dos recursos públicos nela investidos e permite inferir que o valor recuperável do investimento da controladora nessa empresa é menor do que o valor contábil reconhecido. Essa conclusão pode servir como guia de ação na área pública, pois demonstra a necessidade de melhoria da qualidade dos gastos públicos realizados na empresa analisada, situação que pode se estender a outras empresas estatais brasileiras. Desta forma, sugere-se que sejam realizadas pesquisas utilizando esta metodologia para analisar outras empresas estatais do país.

O valor obtido no leilão foi muito alto e isto pode ser explicado por dois fatores. Primeiro, a maldição do vencedor. Existindo disputa em um leilão, o lance vencedor geralmente significa um valor acima do razoável. O segundo fator é que a análise foi realizada tendo por premissa a história da CEB como empresa pública, com suas ineficiências. O vencedor do leilão está apostando que consegue "ganhos" de produtividade/gestão. 

15 novembro 2021

Links


Finalmente Stepp Blatter (ex-presidente da Fifa) foi indiciado pela justiça da Suíça - se você achava que a justiça era complacente com os poderosos somente no Brasil

Compensação de carbono não deve fazer parte das demonstrações? Segundo este texto, não. 

Questão ambiental é a nova "coisa quente" na contabilidade - Nada de novo, mas a citação que a Harvard Business duvida disto é novidade para mim

SEC quer ter um papel ativo na regulação das moedas estáveis (stablecoins)

Maldição dos recursos naturais, Portugal e a descoberta do ouro no Brasil: o declínio de Portugal

22 dezembro 2023

Efeito de Itaipu para o Paraguai

Eis o resumo

The Itaipu Binational dam is a giant hydroelectric project situated on the Parana River, which began its construction in 1973 and was completed in 1983. It was undertaken by Brazil and Paraguay, two countries with enormous geopolitical and economic differences. With 14,000 MWh of installed power, it is the second largest hydroelectric dam in the world. Both countries are partners in this project, but the socioeconomic results have not been as expected. In this regard, although Paraguay’s GDP per capita, between 1983 and 2020, increased by 341%, Itaipu did not represent a true economic development engine for Paraguay. On the other hand, it had serious negative impacts especially on social, demographic, and environmental aspects. A structural equations model (SEM) was designed, in its Path Analysis modality, which includes 10 variables: 3 exogenous (Royalties from Itaipu, Electric power exports, and External debt) and 7 endogenous (GDP per capita, Proportion of agricultural sector in GDP, Proportion of service sector in GDP, Population with needs unsatisfied, Housing deficit, Changes of land use, and CO2 emissions). The model exposes an adequate simulation range, and the results show a high degree of goodness of fit, using different indices (CMIN, FMIN, CFI, and RMSEA). The corresponding tests upon the model validate the hypotheses raised.

Talvez Itaipu corresponda a uma espécie de maldição dos recursos naturais para o Paraguai.