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07 junho 2025

Grandes nomes da história da contabilidade e o gênero

Segue a versão revisada com correções ortográficas, gramaticais e de fluidez:


Quando iniciei a série Grandes Nomes da História da Contabilidade, decidi usar como referência a excelente obra The History of Accounting. Como o livro tem um viés estadunidense, optei por dividir as postagens entre nomes da história dos Estados Unidos e da história mundial. Acrescentei alguns poucos nomes, e nem todos os que constavam na obra foram selecionados — o maior filtro ocorreu justamente no caso dos EUA.

Por se tratar de uma obra histórica, os nomes selecionados eram, em sua maioria, de pessoas já falecidas. E todos, sem exceção, eram homens. Embora essa não tenha sido minha intenção inicial, fiquei triste por não encontrar nenhum grande nome feminino, tampouco nomes latino-americanos. Acredito que esse resultado não reflete um viés pessoal, mas sim a predominância de fatores estruturais que se manifestam na própria seleção.

É importante lembrar que, ao longo da história, as mulheres tiveram acesso limitado à educação formal, bem como à atuação profissional. As restrições impostas à produção intelectual feminina também dificultaram o reconhecimento de seus feitos. Além disso, o fato de a contabilidade estar historicamente ligada a ambientes comerciais — majoritariamente masculinos até tempos recentes — também contribuiu para essa invisibilidade.

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Mattessich


Mattessich, Richard V. (1922-2019) - As contribuições de Richard V. Mattessich para a disciplina e a prática contábil são variadas e fundamentais. Entre elas estão: a formalização de convenções contábeis básicas, a introdução das planilhas eletrônicas, a consideração do significado representacional das demonstrações financeiras, a categorização e crítica da pesquisa contábil moderna e as investigações sobre técnicas de registro na Suméria antiga — todas com grande relevância. Em todos esses esforços, Mattessich insiste na necessidade de examinar a contabilidade em seus aspectos econômicos e sociais completos. Como consequência, ele traz para seu trabalho um vasto conhecimento de disciplinas relacionadas e competências nas humanidades, ciências sociais e ciências físicas.

Richard V. Mattessich nasceu em 1922, em Trieste (Itália). Cresceu e foi educado em Viena, onde obteve diplomas em Engenharia Mecânica, Administração de Empresas e doutorado em Ciências Econômicas. Após alguns anos de experiência prática como engenheiro e contador, tornou-se pesquisador do Instituto Austríaco de Pesquisa Econômica e, posteriormente, professor no Rosenberg College, na Suíça. Após emigrar para o Canadá, atuou na Prudential Assurance Co. e como professor na Universidade McGill. Em 1953, tornou-se chefe do Departamento de Comércio da Mount Allison University, em New Brunswick.

Em 1958, ingressou na Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 1966, obteve (simultaneamente à sua posição em Berkeley) uma cátedra na Universidade Ruhr, em Bochum, Alemanha, e um ano depois aceitou uma cátedra na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, onde recebeu em 1980 o prestigiado título de Arthur Andersen and Company Alumni Chair. Ocupou também uma cátedra na Universidade de Tecnologia de Viena. É cidadão duplo, do Canadá e da Áustria. Aposentou-se em 1988 na Universidade da Colúmbia Britânica (...). Seu livro de 1995, Critique of Accounting, defende uma abordagem mais orientada por propósitos para a disciplina.

Sua obra inicial, Accounting and Analytical Methods (1964), trata da necessidade de generalizar e esclarecer conceitualmente os pressupostos e definições contábeis básicos. Para isso, ele recorre às disciplinas da lógica e da matemática — especialmente à teoria dos conjuntos e à álgebra matricial —, bem como à teoria da decisão e à micro e macroeconomia, aplicando-as às questões fundamentais da contabilidade: mensuração, definição, metodologia e escopo. Este livro antecipa muito do trabalho posterior de Mattessich, no qual ele aprofunda os temas já abordados.

Simulation of the Firm through a Budget Computer Program (1964) antecipa os princípios fundamentais das planilhas eletrônicas modernas: o uso de matrizes, simulação orçamentária e, principalmente, os cálculos que sustentam cada célula da matriz. Da mesma forma, Instrumental Reasoning and Systems Methodology (1978) é uma obra filosófica abrangente que fornece as bases conceituais para sua crença de que a contabilidade, a engenharia, a administração e disciplinas semelhantes são ciências aplicadas. Após examinar os principais problemas da filosofia da ciência, ele propõe uma metodologia equivalente para as ciências aplicadas, fundamentada na orientação por propósito (instrumentalismo) e nos aspectos integradores (teoria de sistemas).

São de enorme interesse acadêmico geral os insights criativos de Mattessich sobre descobertas arqueológicas recentes na Mesopotâmia (1987). Fichas de argila e recipientes são vistos como uma forma equivalente ao nosso sistema de partidas dobradas: fichas de diferentes formatos eram colocadas em envelopes ocos de argila (o débito), e suas imagens eram impressas (o crédito) no envelope ou em tábuas planas de argila. Com a posterior evolução dos símbolos cuneiformes para substituir essas impressões, ganha força a interpretação de que a contabilidade foi precursora da escrita e da contagem abstrata — e não o contrário.

Trabalhos posteriores, como Social Reality and the Measurement of Its Phenomena (1991), abordam o importante problema da representação nas demonstrações financeiras. Mattessich distingue cuidadosamente essas representações, identificando seus correspondentes em realidades físicas existentes (por exemplo, estoques) ou realidades sociais (direitos de propriedade).

De grande importância são também suas análises detalhadas sobre a pesquisa contábil, como em Accounting Research in the 1980s and Its Future Relevance (1991), nas quais ele categoriza e avalia pesquisas recentes sob perspectivas filosóficas e práticas. Embora elogie a amplitude das investigações contábeis contemporâneas, lamenta os limites rígidos de certas escolas (como a contabilidade positiva) e, de forma mais geral, o declínio da contabilidade normativa e a frequente ausência de abordagens filosóficas holísticas e fundamentais na disciplina e em suas pesquisas. 

George J. Murphy - The History of Accounting - Foto aqui 

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Stephens


Stephens, Hustcraft - 
Durante o século XVIII, alguns autores de livros didáticos perceberam as limitações do ensino da escrituração contábil baseado em regras memorizadas e tentaram, em vez disso, ensinar a lógica dos procedimentos contábeis. Seus raciocínios sobre a natureza fundamental da contabilidade por partidas dobradas marcaram o início da teoria contábil. Era uma teoria centrada no propósito da empresa, na natureza do capital e, especialmente, no significado das contas para o proprietário do negócio.

O contador inglês Hustcraft Stephens iniciou sua obra Italian Book-Keeping Reduced into an Art (1735) distinguindo entre o capital total de um proprietário e os ativos individuais que o compunham. Stephens acreditava que o objetivo da escrituração era descobrir a “condição e extensão atual do patrimônio de um homem”. Ele foi um dos primeiros a descartar os métodos tradicionais de ensino, determinado a “não oferecer regras antes de demonstrar que elas eram consequências de conclusões claramente derivadas de princípios autoevidentes”.

Desviando a atenção do diário para o razão, Stephens explicou como registrar ativos, passivos e participações no patrimônio sem a necessidade de memorizar todos os lançamentos possíveis ou repetir exercícios com débitos e créditos. Tratando as contas do razão como dispositivos de ordenação estatística, ele classificou as transações em três categorias, dependendo de afetarem apenas ativos, apenas passivos ou ambos. Essa abordagem abstrata ao ensino contábil foi uma ruptura completa com as explicações habituais baseadas na personificação das contas.

Embora o livro de Stephens tenha tido pouca influência direta sobre os defensores posteriores da teoria proprietária, seu método de ensino, ao se libertar da aprendizagem mecânica, estava cem anos à frente de seu tempo.

Michael Chatfield - The History of Accounting

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Hugli

Friedrich Hugli - Durante o século XIX, a teoria proprietária das contas substituiu em grande parte a personificação das contas, provocando uma mudança na ênfase da contabilidade: das relações entre indivíduos para a classificação estatística de dados. Friedrich Hugli, um contador do governo suíço, tornou-se o principal divulgador europeu do ponto de vista proprietário, resumindo e elaborando o trabalho de dois autores alemães anteriores: G.D. Augspurg (1852) e George Kurzbauer (1850).

Kurzbauer havia argumentado que as classificações contábeis deveriam ser derivadas de dois propósitos essenciais da contabilidade: apuração de lucros e inventário de ativos. Isso gera contas reais e nominais, ou seja, dois sistemas contábeis opostos no mesmo livro-razão. A partida dobrada é a fusão em um único sistema da “contabilidade patrimonial” e da “contabilidade de resultados” de uma empresa.

Augspurg também concluiu que a contabilidade por partidas dobradas exige a manutenção simultânea de dois conjuntos de contas — um que apresenta o patrimônio líquido do proprietário e outro que mostra os ativos individuais. As obrigações são consideradas propriedade negativa; o capital, representando os investimentos como um todo, é recíproco aos ativos específicos. Os dois grupos de contas são complementares, e sua reconciliação ajuda a comprovar a exatidão do livro-razão.

Em Buchhaltungs-systeme und Buchhaltungs-forme (1887) e Buchhaltungs-Studien (1900), Hugli abordou a teoria proprietária a partir de uma perspectiva matemática, mostrando, por meio de símbolos e equações algébricas, como o equilíbrio contábil é mantido entre as “duas séries de contas” e como as transações afetam, em última instância, o capital. Hugli também argumentou que a empresa é proprietária dos bens comerciais e não apenas os deve ao proprietário no mesmo sentido em que deve dívidas a terceiros.

Michael Chatfield - The History of Accounting

(Eu não consegui localizar nenhuma referência confiável sobre Hugli. Mas é possível comprar suas obras em livrarias online.)  

06 junho 2025

Justiça holandesa, Mariana e Vale


A Justiça da Holanda agendou para 14 de julho uma audiência preliminar no Tribunal Distrital de Amsterdã, relacionada ao desastre do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana (MG) em 2015. A ação foi movida pela Fundação Stichting Ações do Rio Doce, que representa aproximadamente 75 mil vítimas e diversos municípios afetados. O processo busca responsabilizar a mineradora brasileira Vale e sua subsidiária holandesa, Samarco Iron Ore Europe BV, por sua suposta participação na gestão e comercialização do minério de ferro envolvido no desastre. 

Embora um acordo de reparação tenha sido homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, a Fundação Stichting optou por buscar responsabilização adicional na justiça holandesa. A Vale argumenta que a audiência é uma etapa processual inicial e que sua subsidiária europeia atua apenas como representante comercial, sem envolvimento direto nas operações de mineração no Brasil.

Recentemente a Vale foi a primeira empresa a divulgar um relatório conforme as mais recentes normas ambientais. Conforme comentamos aqui, nada foi dito sobre Mariana. A notícia acima mostra que uma empresa pode brincar em produzir relatórios, mas talvez os tribunais não fiquem tão impressionados como alguns reguladores. 

Quando a política interfere nos negócios


Dois bicudos não se beijam, diz o ditado. A aliança entre Trump e Musk, que levou o empresário dono da SpaceX a doar uma grande quantia de dinheiro para a campanha eleitoral à presidência dos Estados Unidos, foi rompida após Musk criticar um projeto de lei orçamentária. (Por exemplo, aqui)

Até recentemente, Elon Musk era um dos principais conselheiros da Casa Branca. Mas a proposta do governo, que retirava apoio ao carro elétrico por meio de cortes de gastos, não agradou Musk, que é dono de uma empresa de... carros elétricos. Musk afirmou que o projeto aumentaria o déficit fiscal, e Trump não gostou da crítica — chegando a ameaçar retirar todos os incentivos concedidos às empresas de Musk. A partir daí, vieram acusações de ingratidão e até menções de que Trump estaria envolvido com um conhecido pedófilo, entre outras declarações polêmicas.

O preço das ações da Tesla caiu. Uma entidade do Congresso, responsável pela contabilidade e orçamento, confirmou que o projeto aumentará o déficit. Consequências de uma briga com reflexos na contabilidade pública e empresarial, fruto da aventura de um empresário que acreditava que obteria muitas vantagens estando próximo do governo.

Taylor Swift e a Reconquista dos Seus Direitos Musicais


A cantora Taylor Swift anunciou recentemente que adquiriu os direitos sobre os seus seis primeiros álbuns, encerrando uma longa disputa iniciada em 2019. Esses álbuns, originalmente da empresa Big Machine Records, foram vendidos a Scooter Braun e posteriormente à Shamrock Capital. Insatisfeita com a perda de controle sobre suas gravações originais, Swift iniciou um projeto de regravação, lançando versões denominadas "(Taylor's Version)", que se tornaram sucessos comerciais e fortaleceram sua posição na indústria musical. Em outras palavras, Swift canibalizava sua obra que não estavam sob seu domínio. 

A recompra dos direitos foi possível graças ao apoio de seus fãs e ao sucesso financeiro da turnê "Eras Tour", que arrecadou mais de US$ 2 bilhões. Com essa aquisição, Swift agora possui total controle sobre suas obras, incluindo músicas, videoclipes, fotos e faixas inéditas. 

Do ponto de vista contábil, a aquisição representa um investimento significativo em ativos intangíveis. Esses ativos, que incluem direitos autorais e gravações originais, são fundamentais para a geração de receitas futuras por meio de vendas, streaming e licenciamento. Para o vendedor, a ameaça de canibalização pode ter um grande impacto na decisão. 

Fonte: aqui, aqui e aqui